quarta-feira, 10 de junho de 2009

"Meu Brasil brasileiro"


A história que vos vou contar trata de um menino com os seus 20 anos. Um menino que mal me viu chegar ao hotel me veio pedir uma banana que trazia na mão. Tinha um ar triste, mas agradeceu com um sorriso.

Ao contrário da maior parte dos brasileiros que conheci, que só precisavam do mar e de uma bola de trapos para emanar felicidade, este tinha um olhar triste. Falei um pouco com ele e soube que se chamava Pedro. Pedro Bala.
- Bonito nome. Pedro Bala, como os Capitães da Areia!
Pedro Bala sorriu. Não tive sequer a certeza de que ele soubesse do que eu falava.

[NdR: Pedro Bala é o nome da personagem principal do livro "Capitães da Areia", do escritor brasileiro Jorge Amado]

Os dias passaram. Passado uma semana, estava eu no Calçadão de Maceió a dar toques com a minha bola de futebol enquanto esperava que a minha mãe e o meu irmão recebessem o troco de um chocolate que acabavam de comprar. Mas, dizia eu, estava a dar toques quando vejo um moço a correr em direcção a mim e a tirar-me a bola.

Numa fracção de segundo reagi, corri atrás do moço e fiz-lhe um carrinho para lhe tirar a bola. Não corri mais que dois metros até lha roubar. Só aí percebi o que se tinha passado. Eu, com a minha ingenuidade, pensei que ele me estivesse a tirar a bola na brincadeira. Foi quando vi o olhar triste e assustado de Pedro Bala que percebi que tinha sido ele quem ma tinha tirado. E que não tencionava devolvê-la.

Como vos disse não pensei no que fiz e só mais tarde me apercebi do perigo que corri. A bola era fraca e eu, ao reagir, podia ter tido uma má experiência. Mas o que mais me impressionou foi que tinha sido a mesma pessoa a quem eu tinha dado comida dias antes que me tentava roubar.

Deixou-me desorientado e desiludido. Comentei isso com um senhor que tinha conhecido no Hotel. Tinha um curso, mas acabou por ficar a trabalhar no Hotel.

Contei-lhe a história que vos estou agora a contar e, a certa altura disse:
"Eu - Ele disse-me que se chamava Pedro Bala.

Senhor do Hotel - Pedro Bala?!

Eu - Sim, como n'Os Capitães da Areia!

Senhor do Hotel - Ahah antes fosse, meu amigo... antes fosse... Aposto que ele não lhe contou o porquê do seu nome pois não?

Eu - Não...

Senhor do Hotel - O Pedro era um menino de boas famílias. A mãe vive sozinha e apesar de não ser rica vive bem. Mas este menino tem-lhe dado cabo da cabeça... Um dia, tinha Pedro os seus 16 anos, e resolveu ajudar uns amigos. Eles estavam preparando um assalto. O Pedro resolveu participar e, quando ia a fugir, foi apanhado por uma bala da Polícia.

Eu - E foi preso?

Senhor do Hotel - Não. Conseguiu fugir. Deixou recado à mãe dizendo que ia passar uns dias fora para que ela não se apercebesse dos ferimentos e tentou curar a ferida sozinho. Ainda hoje tem a bala no ombro. Ainda hoje lhe dói. E ainda hoje a mãe não sabe o que aconteceu. Quatro anos depois...

Eu - Mas porque é que ele não tirou a bala? Não há Hospital por aqui?

Senhor do Hotel - Saiba, meu caro, que o brasileiro preza muito a liberdade. Se o Pedro fosse ao Hospital era tratado e logo depois era preso. Porque ao extraírem a bala perceberiam que era da Polícia...

Eu - Então...

Senhor do Hotel - Isso mesmo. Pedro deixou de ser Pedro. Pedro passou a ser triste, mártir e sofredor. Passou a ser ladrão e criminoso. Pedro nunca mais foi Pedro. Hoje ele é Bala. Pedro Bala."

É uma história que guardo no meu coração. Uma alcunha que eu tinha interpretado como algo romântico, associado ao livro e que afinal de contas representa os males da sua vida. Pedro não mais deixará de ser Pedro Bala. Mesmo que algum dia a consiga tirar do ombro, aquele momento mudou a sua vida para sempre.

Apesar de um dia me ter tentado assaltar, é de tristeza e não de medo ou de ódio a recordação que eu guardo do Pedro. Ou melhor, do menino que um dia foi Pedro e que num segundo se tornou em Bala...

4 comentários:

Anónimo disse...

Belo texto, trabalhou bem! Prendeu minha atenção até o final =D , olha que isso é dificil...

El Gordo disse...

Sinceramente deste Pedro Bala pouca pena tenho. Só se algo me escapou desta história este rapaz escolheu bem o seu caminho que foi ajudar os seus amigos num roubo. Decerto que não se conhecem as razões para ele ter feito isso, mas conhece-se que tinha uma boa família que (especulando eu) lhe daria o que ele necessitava dentro das possibilidades para ele viver bem. Contrastanto com o Pedro Bala de capitães de areia, este poucas chances teve para se definir e escolher um caminho bem diferente do que, infelizmente, teve de percorrer. Roubar para comer, roubar para sobreviver num mundo de droga, pobreza e desonestidade.
Volto a referir que não se sabe o porquê do Pedro Bala que conheceste ter acompanhado os seus amigos naquele roubo mas são circunstancias bem diferentes(no sentido da intenção) das da personagem de capitães de areia.

Apesar desta observação é um grande post, mau. Dá vontade de mudar esta realidade de um povo que tanto tem para oferecer ao Mundo para além de praia e carnaval.

Recomendo Cidades dos Homens que está em exibição nos cinemas

Kikas disse...

Cada vez me convenço mais que davas um escritor com E maiúsculo. Com vocação especial para crónicas, pelo toque que lhe dás e que consegues transmitir aos outros, ora pelo humor, ora pelo drama. ;)

Mau disse...

Muito obrigado:)

E quanto ao "portalmeira", ainda bem que gostou! Volte sempre e comente sempre que assim entender! ;)

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