segunda-feira, 9 de abril de 2012

Corrupção!

Sétimo ano de escolaridade. Turma de trinta alunos com os seus 12 anos cada um. Eleição do delegado de turma.

Está feito o quadro da história que venho hoje contar. 

Todos os anos pela altura da eleição do delegado de turma era a mesma história: guerra entre os vários alunos para ver quem NÃO ERA eleito. Nesse ano, porém, houve algo diferente. Pela primeira vez na minha curta história de vida havia não um, mas sim dois - DOIS!!! - candidatos a delegados de turma.

De um lado estava a Maria, calminha, responsável, representante máxima das meninas da turma. Havia algumas facções contra, mesmo entre os elementos do sexo feminino. Os professores gostavam dela, ela era boa aluna, mas sabia manter o equilíbrio: era inteligente sem ser totó.

Do outro lado estava o Miguel. Também bom aluno e inteligente primava por ser resmungão. Estava sempre a reclamar com tudo: professores, amigos, colegas... conselho de amigo: nunca mexam no cabelo do Miguel. Ele vivia mesmo à frente da escola e teimava em chegar todos - MESMO TODOS - os dias atrasado.

Pois bem, o Miguel pura e simplesmente recusava-se a ir, como todos os colegas, comer às cantinas. Durante muito tempo foi super-popular, porque era o miúdo que conseguia levar McDonalds para o refeitório e distribuir pelos amigos. Não foi uma nem duas vezes que a mãe do Miguel levou um pacote extra de batatas fritas e que elas serviram de acompanhamento ao meu almoço.

Agora imaginem o que isso representava para os professores: aquele gajo mandrião, que gostava de reclamar, que era do contra ao ponto de levar batatas do Mc para a cantina e de chegar atrasado todos os dias quando vivia a 2 minutos (a pé) da escola... mas que continuava ter boas notas sem grande esforço. Não lhes inspirava, por tudo isso, grande simpatia.

O Miguel queria mesmo ser delegado de turma, mas sabia que a Maria era uma concorrente à altura. Optou, portanto, por uma estratégia simples: fazer negócio, qual Valentim Loureiro em miniatura. O Miguel continuaria a levar-nos batatas do McDonalds para o almoço se em troca... votássemos nele!

Eu, como rapaz ingénuo que era, não resisti à tentação - não é assim tão condenável... a comida da cantina era mesmo má, acreditem! E eu gostava mesmo da porcaria das batatas, pronto! Tenho lá eu culpa disso?!

Tal como eu, mais de metade da turma o fez. E no final, vitória estrondosa para o Miguel. Ouviram-se hurras, houve batatas fritas nos festejos... enfim, uma vitória justa! Mas o pior veio depois...

A Maria aceitou mal a derrota. Meteu os seus advogados a trabalhar no caso. E, como é normal em boa democracia, ter apoiantes do lado do poder sempre deu muito jeito. Após tratar da melhor forma de depor o novo líder da turma, a Maria acabou por recorrer ao Supremo. O Supremo era, precisamente, o Director do Colégio.

E eis que estive sujeito, pela primeira vez, a uma decisão do Supremo. Ele desceu do seu pedestal, foi até à sala do 7º C e eis que assistimos a um discurso inflamado a apelar ao orgulho de ser representante da turma, de ser um verdadeiro Delegado de Turma. Argumentámos nós, ingénuos, que o Miguel tinha sido eleito de forma democrática. Mas eis que surge, então, a acusação:
- De forma democrática? O que vimos aqui foi um acto da mais pura corrupção!

CORRUPÇÃO?! Que diabo, mas corrupção não era só para os senhores do apito e para o Papa da Fruta de lá do norte do país? Corrupção? Mas quem raio seria o corrupto ali?!

E logo nos foi explicado:
- O Miguel não ganhou a votação. O Miguel comprou os vossos votos, já tive conhecimento do facto. Vocês venderam a honra da vossa turma, escolheram um representante que tem 20 faltas em apenas duas semanas de aulas. Escolheram alguém que, lamento imenso, não pode ser eleito Delegado de Turma. E é por essa mesma razão que eu tiro o cargo ao Miguel e o dou à Sub-Delegada, a Maria.

Revolta! Que raio de democracia era aquela em que nem se podiam aceitar umas batatas para festejar?! Que raio de política era esta em que o Supremo atribuía o cargo à sub-delegada sem que isso fosse levado a votação? Que raio de sistema defendíamos nós quando havia alguém para alterar os resultados do voto livre e democrático? Que raio de moral teria esta história quando se via que a estratégia maquiavélica da Maria tinha dado resultado?!?!?!?!?!

A indignação e o sabor a injustiça imperaram durante uns dias. O problema não era só o facto de o Miguel ter sido deposto do cargo: era que a Maria tinha sido eleita. Obviamente que todos nós, se soubéssemos que o Miguel não poderia ser eleito, teríamos votado em alguém que não queria ser eleito. Porquê? Por princípio: é que desta forma irritaríamos os professores, a Maria e ainda o desgraçado que tinha de gramar com a seca de ser delegado de turma... haveria melhor que isso?

Nota: uma vez que acima de tudo sempre esteve a vontade de irritar alguém, a turma soube unir-se para fazer a vida negra à nova Delegada de Turma, que era acusada de perseguição sempre que ficava com o cargo de "queixinhas" escrevendo o nome de todos os que se tinham portado mal na ausência do professor. No ano seguinte - e nos que se seguiram - nem a Maria nem ninguém quis ser eleito delegado de turma...

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