domingo, 7 de novembro de 2010

"Estranhamentos" de um Português em Belém do Pará, Parte 2

 A melhor descrição que se pode fazer do Brasil em termos naturais é que tem tudo o que há em Portugal, mas com um tamanho e uma abundância 10 vezes superiores.
Frase do Yaúca, algures numa praia do Nordeste brasileiro

O Brasil, em geral, é assim. Mas Belém decide levar isto à letra.

Essa sensação começou logo que o nosso avião aterrou. Portugal tem um clima relativamente húmido, tem muito mar à sua volta. "Pois", pensou Belém, "se Portugal é húmido, então eu serei 10 vezes mais húmido!". E foi mesmo. Estava eu a contar: mal aterrámos a humidade era tanta que deixámos de conseguir ver a rua pela janela do avião. Ficou completamente embaciada - e não, não chovia lá fora! Quando saímos houve a velha sensação do Português que aterra no Nordeste (e, pelos vistos, também no Norte) do Brasil: "meu Deus, o ar não passa na garganta... vou morrer, não me vou habituar a isto!"

Mas essa era apenas a primeira de muitas manifestações da imponência natural desta cidade, deste estado, deste país.

As temperaturas, por exemplo, são sempre as mesmas. Disseram-me que assim era, o guia assim diz que é e hoje, quando procurei no Google as temperaturas em Belém... eram as mesmas de quando eu lá estive há um mês! O calor é insuportável: para que tenham uma noção os chuveiros não têm a torneira da água quente, só se toma banho de água fria!!!

Mas é de tal forma assim, que eu achava a minha casa quente, aqui no Rio. Na primeira noite em que dormi na Cidade Maravilhosa, depois de vir de Belém, tive de meter, pela primeira vez, cobertor! É que lá, mesmo com ar condicionado, eu dormia de tronco nu e sem cobertor, mas ainda acordava a transpirar!!!

O que me valeu foi que estamos na estação das chuvas. Não sei se será assim todo o ano, mas pelo menos agora é. Todo o santo dia chove. Chove de tal forma que as pessoas já programam a sua vida para antes e para depois da chuva. Acontece, geralmente, durante uma horinha, logo a seguir ao almoço.Mas atenção:  se quando faz calor, faz MUITO calor, quando chove, chove MUITO bem! É que lá, já se sabe, tem de ser tudo em grande...


Mas mudando de assunto: pensem num animal bem pequenino. Não, um rato é grande demais. Mais pequeno! Não, um lagarto ainda é grande. Uma formiga! Sim, uma formiga está bem. Este país de loucos não vai conseguir transformar as formigas num animal grande, que diabo...
Ou talvez vá. Garanto-vos eu que, durante um almoço na margem oposta à cidade de Belém, já na Amazónia, vi uma formiga que parecia uma aranha! Não tirei foto. Encontrava-me demasiado ocupado a saborear o meu "peixe à ver-o-peso" para tirar a máquina fotográfica da mochila.

Mas por falar em peixe, por falar em comida, por falar em Belém... as frutas! Uma quantidade de frutas completamente absurda vinda de uma floresta com uma extensão, também ela, absurda - ou não estivéssemos a falar da nossa boa e velha Amazónia! As frutas vão do açaí ao tucumã, passando pelo bacuri, o cupuaçu, a graviola, a taperebá, a pupunha, a castanha do pará, o muruci, a piquiá ou a bacaba, entre outros.

E os pratos, os pratos típicos, que são imensos! O pato no tucupi, o caranguejo, o caruru paraense, o casquinho de mussuã, o chibé, o cuscuz, a tacacá, o peixe moqueado, a pupunha, o piraricu de sol, a sopa de aviú... obviamente que não comi tudo isto - alguns destes nomes só decorei porque achei piada ao nome, e só pude escrevê-los aqui graças a uma visitinha à Wikipedia. Mas, de entre todos os pratos, o que mais me marcou foi a maniçoba!

 Maniçoba

A maniçoba é feita com folhas de maniva moídas e cozidas. Explicaram-me, enquanto me preparava para provar o prato, que aquilo tem de ser cozinhado durante uma semana, pois a planta tem um ácido venenoso que só com este preparo é retirado da mesma. Podem imaginar a minha sensação a comer um prato com um aspecto muito parecido com o de terra húmida, e que ainda por cima é feito com uma planta venenosa. Mesmo assim, valeu pela experiência. O sabor não é dos melhores, mas é diferente o suficiente para ficar na memória e por valer como interessante experiência gastronómica.

E continuando nesta parte gastronómica... CAIRU! A Cairu é uma gelataria (sorveteria, aqui no Brasil) fantástica. Tem mais de 60 sabores de coisas que vocês nunca sequer ouviram falar. Há gelados de açaí, araçá, bacaba, bacuri, buriti, carimbó (castanha do Pará com doce de cupuaçu), castanha-do-Pará, cupuaçu, graviola, jambo, mangaba, mangostão, mestiço (açaí com tapioca), murici, paraense (açaí e farinha de tapioca), pavê de cupuaçu, taperebá, tucumã, uxi... uf uf uf!!! Provei grande parte deles. Depois de os provar fiquei viciado. De tal forma viciado que o senhor já me conhecia como "o português da casquinha (cone, em português de Portugal) com uma bola de... CHOCOLATE!" ahah pois é, meus amigos. Por mais sabores que tenham, para mim basta haver um de qualidade: chocolate. O meu amigo Caótico atirava-me à cara que só eu é que ia para o Pará comer "sorvete" de chocolate... mas quem me conhece sabe-o: será assim no Pará, no Mato-Grosso, na Sibéria ou na Escandinávia. Gelado, lamento, mas é de chocolate!


Se pensam que acabei esta imensa crónica sobre a imensidão do Brasil, do Pará, de Belém estão muito enganados. Falta a parte que mais me impressionou: Mosqueiro.

Mosqueiro é uma um distrito do município de Belém e localiza-se na costa ocidental do Rio Pará, no braço sul do rio Amazonas. Fica a a cerca de 70 km de Belém... mas vale bem a distância! 

Apesar de ter visto várias praias, aquela em que acabei por ficar foi a do Paraíso. Acontece que nesse Paraíso, como em todas as outras praias de Mosqueiro, apesar de serem praias fluviais... há ondas tal e qual as do mar! E mais: o Rio é tão monstruoso, tão absurdamente grande, tão estupidamente imenso, tão incrivelmente enorme, que não se vê a outra margem. Na verdade só se vê água, água e mais água. Se no mar de vez em quando se vê a silhueta da costa, de uma ilha, bem lá ao fundo... ali estávamos num rio e não conseguíamos ver nada que não fosse água.
 
 Ambas as fotografias são da Praia Fluvial do Paraíso e
tiradas na mesma tarde. Reparem na velocidade com que o
tempo muda (estava um sol abrasador às 13h e uma chuva 
torrencial às 14h), nas ondas e no facto de não 
se ver a outra margem do rio.

Disseram-me que os portugueses quando chegaram ao Pará, nos primórdios da colonização, ficaram estupefactos com a extensão daquele rio. Incrível que, cerca de 500 anos depois, continue a deixar portugueses de queixo caído - e de tal forma desconfiados que precisaram de dar um mergulho e de sentir o sabor da água doce para acreditar que aquilo não era mar.

Fico-me por aqui, com esta crónica sobre um país, um estado, uma cidade onde tudo é exuberante: as formigas são enormes, os rios são gigantescos e as árvores são não só imensas como esmagadoras. Tem milhares de frutas, de sabores diferentes, de pratos típicos. Tem imenso sol, imenso calor, mas também imensa chuva. É um país, um estado, uma cidade de excessos, não tenham dúvidas. E esta é a única forma que tenho de vos mostrar um bocadinho deles...

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Ver-O-Peso - Belém do Pará, Parte 1


Esta selva anda demasiado quieta para o meu gosto. Nem de Nápoles, nem de Roterdão, nem de Barcelona, nem de Coimbra, nem de Trento, nem de Lisboa... nada! Regressemos, então, ao meu Brasil.

Desta vez não é, porém, até ao Rio de Janeiro que vamos viajar. Vamos até Belém, no estado do Pará, nas "Portas da Amazónia". Foi para lá que fui há já quase um mês...

Belém fica no Norte do Brasil. Do Rio de Janeiro até lá, com voo directo, são 3 horas e pouco de avião. É incrível como para viajar dentro de um mesmo país demoramos mais tempo do que a fazer uma ligação Lisboa-Paris ou Lisboa-Londres. Mas o Brasil é isto mesmo: um continente camuflado de país. Feita a introdução passemos, então, ao relato da viagem:

Fui para Belém com um amigo brasileiro. Já me tinha falado na cidade: que tinha amigos de lá e que já lá tinha ido duas vezes. Contou-me que a cidade ficava na Amazónia e bastante perto da linha do Equador. Que era incrível e que eu devia lá ir...

 Pirarucú - peixe do Amazonas que pode atingir 2 metros de comprimento


Passados uns dias, estava eu no facebook, aparece o meu amigo [chamado Caótico] e diz-me:
- Cara, está havendo um feirão da Gol (companhia aérea): há viagens baratas para Belém. Vamo? [sim, sem "s" no fim - estes cariocas adoram assassinar o português...].

E "fomo"!

Comecei por conhecer o Mercado Ver-O-Peso. É um dos mais tradicionais mercados brasileiros e é, também, o cartão postal de Belém. Foi construído em 1625 e situa-se na Baía do Guarajá. Fui com a Portuga e o Caótico até lá. Pensei que ele já conhecia bem o sítio. Antes de deixar o mercado acabou por me confessar:
"Já tinha vindo duas vezes a Belém e só tinha visto o mercado de longe... nunca aqui tinha entrado. Mal sabia o que aqui ia encontrar". [obviamente que o texto está traduzido para português de Portugal, visto eu ainda não ter aprendido a dar os erros nas conjugações verbais que me permitiriam reproduzir fielmente a oralidade do carioca].

 Senhora a descascar a bastante vendida castanha do Pará

E ele tinha razão. Por lá encontra-se um pouco de tudo: desde pirarucus até especiarias, passando por patos e galinhas vivos ou por artesanato índio. Mas passando também pelo açaí. E pelas toneladas de camarão que por lá se vendem. E pelas garrafinhas de "viagra natural". E pelos saquinhos de "amansa corno". E pelos bacuris. E pelas beribás. E pelas carambolas. E pelas graviolas. E pelas acerolas.  E pelos...


 Venda de camarão no Mercado Ver-O-Peso

Em suma: é um enorme mercado que se encontra às portas da amazónia e onde, por isso, podemos encontrar os nomes mais estranhos, os frutos mais incríveis e as pessoas mais genuínas que vi no Brasil. Não é fácil passear por um mercado sem ser constantemente abordado para comprar isto ou aquilo. Se não o é em Portugal muito menos o será no Brasil. E ainda menos se for um Português no Brasil...

Ali, porém, andava à vontade: de máquina em punho a aproveitar toda aquela confusão do aroma dos peixes misturado com a cor das frutas, com a beleza do artesanato, com o cheiro a fritos, ou tão simplesmente com os quadros das pimentas e malaguetas do Pará. Naquele mercado encontra-se tudo: encontra-se a vida do povo que vende, do povo que compra, do que apenas visita ou do que se perde por lá. Encontra-se a alegria ou a tristeza da vida que se leva, encontram-se histórias imensas e vidas incríveis por trás do olhar genuíno de cada Paraense.

Pimentas e malaguetas cujo nome verdadeiro desconheço - mas que ardem...!!!


Encontra-se um povo, uma terra, um estilo de vida. Um Brasil que não é o Rio. Um Brasil que é como é, que não se importa em esconder o que se esconde na grande metrópole. Encontra-se um outro modo de vida, um outro olhar sobre a vida.


Eu perdi-me por lá. Mas encontrei-me a mim.

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