Já que é a primeira vez que vos escrevo mais pessoalmente, gostava de
me apresentar: o meu nome é Carlos Marques e vivo como jornalista. Digo
que vivo como jornalista porque para mim o jornalismo não é uma
profissão, mas um modo de vida. Esteja ou não a trabalhar, não posso
deixar de falar com as pessoas, de as ouvir, de aprender com elas.
Hoje no café cruzei-me com um tipo curioso. Enfermeiro. A certa
altura perguntei-lhe se era feliz. Eu sei que é uma pergunta pouco
usual, mas faço-a sempre que posso porque normalmente gera uma reacção
surpreendente.
Ora esse tipo diz que mudou radicalmente a forma de ver a vida. Diz
que é menos feliz que há uma semana e muito mais que há dois dias. Pelo
meio parece que leu um livro que o fez pensar. Que o fez ter
consciência.
É a primeira vez que me dizem que odeiam um autor porque ele lhe
ensinou alguma coisa. Mas este tipo odeia-o genuinamente. Defende que a
consciência é o mal de todas as coisas e que, por isso, desde há dois
dias decidiu não mais ler, não mais aprender, não mais pensar.
É isso mesmo: ele diz-me que se considera feliz porque, apesar de
consciente, vive e viverá inconscientemente. O pensamento que o guia é o
de que quanto mais se aprende mais se sofre. Que conhecimento traz
infelicidade.
Inércia. O que se pede é inércia. Se nenhuma força te for
aplicada deves manter-te no teu estado natural, seja ele o repouso ou o
movimento rectilíneo uniforme.
E é isso que ele faz. Evita as forças (o conhecimento, a
aprendizagem) para poder aproveitar a vida tal como ela é (no seu
movimento rectilíneo uniforme).
Diz-me o Mário que a partir de hoje viverá no seu estado natural.
Sem estudar.
Sem ler.
Sem aprender.
E, agora digo-o eu, o Mário viverá sem viver.
Carlos Marques
1 comentário:
«Uma vida que não é examinada não merece ser vivida»
Sócrates
Enviar um comentário