segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

1 - Norma / Norm

Criança. Doente. Louco. Maluco.

Internaram-me nisto a que chamam “hospício”. Tudo porque me recuso a ver a vida como eles. Dizem que “não me comporto segundo as regras”, que “não respeito os princípios da sociedade”. Para mim é um elogio. Afinal de contas nenhum de nós sabe onde é que começa e onde é que acaba a realidade.

Fizeram um daqueles “planos de reinserção” para me ensinar que uma cama é uma cama, que um chão é um chão. Mas eu rio-me! Rio-me porque não vou perder o meu olhar de sempre. Dizem eles que eram assim enquanto crianças, mas que depois “cresceram”, que “aprenderam”.

Onde eles vêem uma cama, eu vejo um barco. Onde eles vêem um chão, eu vejo mar. E passo tardes inteiras a lutar contra os piratas que me vêm atacar.

Para eles não passo de um louco que dá saltos e cambalhotas em cima de uma cama; de um maluco que nada deitado num chão de azulejo. Pobres coitados: ainda não perceberam que os sentidos enganam e que se há sentido para a vida, ele não reside em moldá-los àquilo que é “socialmente aceitável”.

Olhar para eles entristece-me. Passam uma infância podendo viajar para qualquer lado apenas usando a imaginação. Depois, moldam-se, padronizam-se: trabalham arduamente para se formarem, para ganharem dinheiro e para poderem gastá-lo a ver outros sítios, a ver outras coisas.

Não entendem que não estão a aprender, que não estão a ver nada de novo – que, pelo contrário, estão a perder o poder de o fazer. Não percebem que tudo o que vêem está dentro deles.

E que eu, com o meu barco, irei sempre mais longe do que qualquer sítio onde eles poderão um dia ir.

Que verei muito mais além do que eles poderão um dia [voltar] a ver.

Ricardo Pires

It is all about madness, crazyness.

They putted me in this “madhouse”. Just because I do not see life as they do. They say that I "do not behave according to the rules", that I "do not respect the standards of society." To me that is just praise. After all, none of us know where does the reality start and where does it end.

They did one of those "reintegration plans" for teaching me that a bed is a bed, and that a floor is a floor. And I laughed! I laughed because I would not change the way I see the world. They say when they were children they were used to do the same I do, but that then they "grew", they "learned".

Where they see a bed, I see a boat. Where they see a floor, I see the sea. And I spend entire afternoons to fight pirates who are attacking me and my boat.

For them I am just a mad guy who leaps and somersaults atop a bed; I am a crazy man trying to swim lying on a tile floor. Poor people: they have not yet realized that the senses deceive and that if life has meaning, it is not in mold the senses to what is "socially acceptable."

Take a look at them saddens me. They spend a childhood being able to travel anywhere just using their imagination. And then they shape up, standardize up: they work hard to graduate, to earn money in order to spend it buying travels to other places, to see other things.

They do not understand that they are not learning, that they are not seeing anything new; that, on the contrary, they are losing the power to do so. They do not realize that everything they see is inside them.

And that, with my boat, I will always far more than any place they might one day go.

That I will see much more beyond than they will ever be able to see [again].

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