Criança. Doente. Louco. Maluco.
Internaram-me nisto a que chamam “hospício”. Tudo porque me recuso a
ver a vida como eles. Dizem que “não me comporto segundo as regras”, que
“não respeito os princípios da sociedade”. Para mim é um elogio. Afinal
de contas nenhum de nós sabe onde é que começa e onde é que acaba a
realidade.
Fizeram um daqueles “planos de reinserção” para me ensinar que uma
cama é uma cama, que um chão é um chão. Mas eu rio-me! Rio-me porque não
vou perder o meu olhar de sempre. Dizem eles que eram assim enquanto
crianças, mas que depois “cresceram”, que “aprenderam”.
Onde eles vêem uma cama, eu vejo um barco. Onde eles vêem um chão, eu
vejo mar. E passo tardes inteiras a lutar contra os piratas que me vêm
atacar.
Para eles não passo de um louco que dá saltos e cambalhotas em cima
de uma cama; de um maluco que nada deitado num chão de azulejo. Pobres
coitados: ainda não perceberam que os sentidos enganam e que se há
sentido para a vida, ele não reside em moldá-los àquilo que é
“socialmente aceitável”.
Olhar para eles entristece-me. Passam uma infância podendo viajar
para qualquer lado apenas usando a imaginação. Depois, moldam-se,
padronizam-se: trabalham arduamente para se formarem, para ganharem
dinheiro e para poderem gastá-lo a ver outros sítios, a ver outras
coisas.
Não entendem que não estão a aprender, que não estão a ver nada de
novo – que, pelo contrário, estão a perder o poder de o fazer. Não
percebem que tudo o que vêem está dentro deles.
E que eu, com o meu barco, irei sempre mais longe do que qualquer sítio onde eles poderão um dia ir.
Que verei muito mais além do que eles poderão um dia [voltar] a ver.
Ricardo Pires
It is all about madness, crazyness.
They putted me in this “madhouse”. Just because I do not
see life as they do. They say that I "do not behave according to the
rules", that I "do not respect the standards of society." To me that is
just praise. After all, none of us know where does the reality start and
where does it end.
They did one of those "reintegration plans" for teaching
me that a bed is a bed, and that a floor is a floor. And I laughed! I
laughed because I would not change the way I see the world. They say
when they were children they were used to do the same I do, but that
then they "grew", they "learned".
Where they see a bed, I see a boat. Where they see a
floor, I see the sea. And I spend entire afternoons to fight pirates who
are attacking me and my boat.
For them I am just a mad guy who leaps and somersaults
atop a bed; I am a crazy man trying to swim lying on a tile floor. Poor
people: they have not yet realized that the senses deceive and that if
life has meaning, it is not in mold the senses to what is "socially
acceptable."
Take a look at them saddens me. They spend a childhood
being able to travel anywhere just using their imagination. And then
they shape up, standardize up: they work hard to graduate, to earn money
in order to spend it buying travels to other places, to see other
things.
They do not understand that they are not learning, that
they are not seeing anything new; that, on the contrary, they are losing
the power to do so. They do not realize that everything they see is
inside them.
And that, with my boat, I will always far more than any place they might one day go.
That I will see much more beyond than they will ever be able to see [again].