Estou farta de ser usada. Viajo contigo para tudo quanto é sítio, sigo-te sem reclamar, tenho dado tudo o que tenho desde que nos encontrámos pela primeira vez. E, por mais que te dê, por mais que me uses, não fazes mais do que olhar para mim como um objecto.
Não aguento mais ver-te para aí de olhar perdido sem que sequer repares em mim. Estou aqui, caramba! Pára de olhar para o horizonte à procura de inspiração! Chega! CHEGA!
Hoje decidi ganhar vida própria e escrever sobre mim mesmo. Sim, já mereço. Alguém te tem acompanhado tanto nestas viagens pela Europa fora? Claro que não! Gostava de saber como escreverias os teus textos sem mim. E, no entanto, tudo te serve de inspiração menos eu, que estou sempre ao teu lado.
Desculpa, Pedro, se fui dura contigo... mas as minhas forças já não são as mesmas. Começo a falhar em momentos decisivos e tenho consciência de que tudo tem um fim. Por isso não poderia partir sem, primeiro, desabafar.
Tu, como eu, sabes que hoje em dia a relação dos homens com as canetas já não é o que era: assim que a tinta acaba deixam-nos morrer como se nunca tivéssemos existido. Antes, ainda nos recarregavam. Hoje, não mais o fazem.
Agora, do alto da minha velhice, reuni todas as minhas forças para te escrever este texto. Não para que me dês mais valor do que dás, mas para que, enquanto este texto existir, eu exista com ele.
Agora, do alto da minha velhice, reuni todas as minhas forças para te escrever este texto. Não para que me dês mais valor do que dás, mas para que, enquanto este texto existir, eu exista com ele.
26 de Novembro de 2012
Texto escrito pela minha própria caneta sem marca, de tinta preta. Companheira de tantas viagens, responsável por tantas memórias. Escreveu este texto dias antes de perder a vida, nas mãos da Ana. Fica o meu sorriso por saber que graças ao texto a caneta viverá para sempre no fundo do meu coração.