segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

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Passei a minha vida toda à espera. Ainda mais depois de ter perdido a audição. Sempre com aquela sensação de estar à espera de algo que mude a nossa vida, que nos mude a nós, por completo. É daquelas coisas que acontecem ao contrário do resto da natureza, pelos vistos. As tragédias que, supostamente, só acontecem aos outros, acabam por nos atingir a nós. Porque não acontece isso com algo de bom?


Sempre esperei que algo de bom me acontecesse a mim, que me permitisse dar a volta à minha vida, mas não. Não aconteceu nada. Pura e simplesmente nada. A parte mais agoniante de tudo não é o não ter acontecido algo de bom, é a sensação de expectativas falhadas. A sensação de que havia lá fora algo de bom, à espreita, à espera também, do melhor momento para me surdir, momento esse que, pelos vistos, nunca surgiu. Será que mereci mesmo? Será que já estava destinado? É justo deixarem-nos a pensar em algo e, depois brincarem connosco como simples peões de xadrez?


Enfim, peões somos, não é? Eles fazem o que quiserem de nós. O que quiserem. A diferença é que a vida não é tão simples como um tabuleiro de xadrez. Quando eu morrer, o que vão eles sentir? Quando me perder, como me vão eles fazer voltar ao caminho?


Faltam três horas. Já não vejo. Eles fizeram-me perder a visão. O Mundo era tão belo, e perdi-o. As coisas amargas podem sê-lo sempre, mas as doces só o são quando as deixamos de ver. Deixei de ver os meus pequenos raios de luz. Perdi os meus pequenos raios de escuridão. E agora? que será de mim? Três horas me faltam e nem esse tempo me deixam aproveitar em pleno. Triste vida a minha. Triste eu. Se ao menos eles me dessem mais uma oportunidade! Só quero mais uma! Quero emendar o que fiz de errado! Quero viver os sonhos da minha vida! Ouçam-me! Eu sei que vocês estão aí!


Vocês têm de estar aí. Não posso estar sozinho.


Sozinhos são aqueles que andam pelas cidades a vaguear ou mesmo a trabalhar naqueles arranha-céus que chegam lá às alturas! Alturas!... Quem me dera voar... Ser livre como um pássaro, chegar ao Sol... Tocar-lhe, receber o calor dele... Não quero ser frio como os outros que não param quando alguém cai. Coitada da pessoa que caiu deixou cair tudo ninguem a ajuda a apanhar nada Tem que fazer tudo sozinha Ah Sozinha Sozinhos são aqueles que andam pelas cidades a vaguear ou mesmo a ....

5 comentários:

Maldini disse...

Epa oh Outro mata lá o pobre coitado que já não o consigo ouvir...

Coitado do rapaz. Tem de sofrer por algo que não terá feito. Este martírio final é pior que a própria condenação.

Muito bem retratada. Estou a adorar!

B disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
O Outro disse...

Tranquilo x).

Não, pertence tudo ao mesmo momento, podendo é considerar-se diferentes fases do desenvolvimento do raciocínio do homem.

É como que um acesso de loucura, de raiva esquizofrénica, sucedido de um período de loucura, mas mais de carácter divagatório ou algo do género, em que pelo meio há uma quase consciencialização da realidade, mas que, ainda assim acaba por ser negada, já que ele não acredita que está louco.

B disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Kikas disse...

Fantástico:)

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