Estou na minha cela, já não estou sozinho. Entrou alguém. Mais algum condenado à morte, o meu novo companheiro de cela. Já desespera, sinto-o a ir contra as paredes com violência, sinto o chão a tremer com os gritos dele. Há-de deixar de desesperar, há-de passar a esperar. Porque não me bate? Porque estamos os dois condenados à morte? Que espécie de compaixão é esta? Um passaporte para ir para o céu?
Mas que céu? Ele existe? Ninguém sabe! Loucos! Cobardes! Medrosos. Tenho pena dele. Ele também há-de ter de mim, mas e então? Qual das penas a maior? A física ou a mental? E moral! Tristes são aqueles que julgam que são os detentores da razão!
Estão tão enganados, pobres coitados... Hão-de acabar a nem terem um pão de comer. Estou preso, nest cela do corredor dos condenados à morte deste amaldiçoado país, deste maldito mundo! Desta prisão que não tem nome, que é a minha prisão, onde vou sofrer a minha condenação. O mundo está preso por um fio, um mero fio, de lão, linha, nylon, o que interessa? E apenas um fio, um pequeno fio. Fio cortado, vida esmagada, desperdiçada, espezinhada por uns meros animais. Sim! Animais! Porque os seres humanos não são frios, são gelados. Não compreendem o passado, não me compreendem a mim.
Não aguento mais... Não aguento esta dor de cabeça! Não aguento esta dor que me consome todo o corpo! Não aguento... Pura e simplesmente, não aguento. Acabem-me já com este sofrimento, acabem. Já. Não consigo esperar... Esperar para quê? Não vejo e não ouço. Eles controlam as horas a que como, controlam a que horas dou uma volta, controlavam-me as horas a que dormia e as horas que dormia. Controlam a minha vida... O que vai restando dela... Porquê? Porque o haverão de fazer? Porque haverei eu de deixar? Eles bem que querem. Já não há basicamente nada aqui. Um colchão para eu me deitar, talvez agora dois, já que cá paira o outro. Um buraco para as necessidades. As paredes são almofadadas e temo que se experimentar um duelo com a porta, há-de fazer um barulho tal que é suficiente para ouvirem, cá virem, e ainda me deterem e tratarem ainda pior. E pior, comigo vivo, sem poder fazer nada para terminar este sofrimento. E se? Ninguém notava, pelo menos até ser tarde de mais...
Farto das pessoas, das sociedades e das suas convenções. Estou farto. De tudo. Aqueles sinais de luzes dos carros e os seus misteriosos significados... Que tanto podem significar que a polícia está a alguns quilómetros de distância, como que tenho de virar na próxima cortada à esquerda para levar um carregamento de drogoa, ou, quem sabe, que vou morrer no próximo entroncamento. Farto da Igreja, das suas proibições e pecados. Eu vou para o céu, se eu quiser! E com quem eu quiser! Ou apenas morrerei, indo para um vazio, acabando-se toda e qualquer familiaridade com a existência, quem sabe...
Farto das sociedades e dos seus preconceitos. Se as raparigas querem ser esqueléticas que sejam. Se querem parecer uma morcela ou um chouriço fumado, que pareçam. Se os paneleiros se querem comer à frente do maior número de pessoas possível, disfarçados de cães esfomeados e depois se fazerem de vítima, que se comam! Se as pessoas querem não só parecer, ou não parecer, mas o ser, completamente desprovidas de espírito, que o sejam! Mas, DEIXEM-ME EM PAZ! Fora das maquinações, dos grupos pré-definidos, das carreiras ficticiamente criadas, das bases falsas com que criam o vosso pequeno mundo cheio de requisitos, falsidades e jogos de poder!
Farto desta vida, farto do que dela surge, farto do que sobra dela. Farto do que acontece, do que não acontece, do que está para acontecer e do que nunca vai acontecer. Farto.
Acabar agora com tudo. Decidir o meu próprio fim.