quarta-feira, 31 de outubro de 2012

A suspirar por bandidos...


Estou a ler a Criação, de Gore Vidal. A certa altura, aparece-me à frente dos olhos o diálogo que passo a transcrever:
" - O Barão K'ang anunciará novos impostos. Sobre toda a gente. Ninguém vai ser isento. É a única maneira de se arrancar dinheiro aos ricos.
- E de arruinar os outros -. Fiquei alarmado. O imposto de guerra tinha sido cobrado alguns meses antes para desespero de todos os cidadãos. Nessa ocasião Confúcio tinha avisado o de que o imposto era excessivo. - Pior - dissera ele - ao tirares assim tanto para o Estado, reduzes a capacidade de criação de riqueza. Até o bandido da floresta nunca leva mais de dois terços de caravana de um mercador. Afinal, é do interesse do bandido que o mercador prospere para que haja sempre alguma coisa para ele roubar."
 Lembrei-me do meu país. Já nem um terço nos deixam. Em breve levarão tudo. E nós ficamos por cá, a suspirar por bandidos como os do tempo de Confúcio...

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

One Cheeseburguer only with cheese, please!




O dia estava a correr normalmente. Vinham uns portugueses de Budapeste e eu tinha combinado com um amigo ir buscá-los à estação.

Como é vulgar quando temos de ir à boa da estação, acabámos por nos deixar tentar pelo Burger King que lá nos espera (não sai de lá, o gajo!). Nesse dia estava forreta – nada de novo, portanto – e, embora esfomeado, optei por pedir umas batatas pequenas e dois Cheeseburguers só com queijo. Imagino os que não me conhecem a deitar as mão à cabeça, a proclamar as comuns pragas contra mim por estar a “estragar os hambúrgueres”, por não “comer verdadeiro Burger King” ou McDonald’s. Mas sempre foi assim: não gosto dos vegetais nem dos molhos com que me enchem os hambúrgueres e, por isso, desde pequeno que faço os chamados “pedidos especiais”.
Fiquei uns bons minutos à espera. Mais minutos do que o habitual. Não sei bem porquê, mas enquanto esperava surgiu-me a ideia de um sketch – pela primeira vez em tantos anos – a propósito do meu pedido. 

Ainda estava perdido na minha imaginação quando vieram os tão desejados “cheeses”. Sim, os “cheeses”. No fundo, o empregado tinha razão: eu pedi dois “cheeses” só com queijo. E lá estavam eles, só com pão e duas fatias de queijo cada um. Sem hambúrguer.

Ainda pensei em reclamar, porque eu tinha pedido expressamente dois cheeseburguers só com queijo e, na verdade, eles estavam a dar-me pão para além do queijo. Mas depois achei melhor contentar-me com a generosa oferta e comer as duas sandes de queijo.

Ah… amanhã ao almoço vou comer um folhado de salsicha SÓ com maionese. E ao jantar uma salada de atum SÓ com uma pitada de sal.


Foot - Ball!



Conseguem imaginar o que é viver num país do qual não conheces a língua e numa residência em cuja recepção não há uma única pessoa que fale inglês? Eu já não preciso de imaginar.

Posso apenas garantir que põe à prova as tuas habilidades de comunicação não-verbal. Para fazer uma coisa tão simples como alugar uma bola de futebol não basta ires equipado e dizer, devagarinho, “football” enquanto se faz um círculo com as mãos a simbolizar uma bola. Não. É preciso fazeres um desenho de uma bola e de um pé a chutá-la.

Não é grave, enquanto for uma coisa simples como estas. Se não souberem desenhar e quiserem ir à lavandaria, ou alugar um aspirador podem sempre esperar momentos de grande divertimento. Já todas as estratégias foram tentadas: dos desenhos, aos gestos, à simples utilização do Google translate e da escrita da palavra checa correspondente ao que desejamos no telemóvel para mostrar às senhoras. O problema é que parte delas já tem uma certa idade e ainda temos de esperar que procurem os óculos para tentarem ler as palavras num dispositivo tão evoluído como um primitivo Nokia.

Toda esta vida é por cá é um verdadeiro desafio. E acho que, sinceramente, os checos acham que isto é parte da piada do nosso Erasmus na terra deles. É que, na verdade, 90% das pessoas que vivem no dormitório não fala checo. E eles fazem questão de manter recepcionistas que não falam uma – UMA!!! – palavra de qualquer outra língua…

PS: no dia em que tiver de desenhar algo mais complexo tenho medo do que as senhoras vão inventar. Aposto que até unicórnios e dragões me arranjavam só para corresponderem ao meu desenho!

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Junta-te a nós!


És jovem e gostas de desafios? Gostas de ser surpreendido? Eu tenho a solução ideal para ti! Vem fazer compras à República Checa! Parece aborrecido? Acredita que não é...

Quando chegas a um sítio onde não consegues encontrar uma única palavra minimamente familiar e quando as instruções vêm em todas as línguas, de eslovaco a russo passando por checo – menos em qualquer uma que seja "entendível" – fazer compras torna-se uma aventura. É que por mais que compres nunca tens a certeza do que estás a comprar.

Uns dias atrás cheguei à cantina e, como é hábito, havia vários pratos à escolha. Houve um que me chamou especialmente a atenção: custava cerca de um euro e vinha com um bife, batatas fritas, salada, um ovo estrelado e um molho apetitoso. Fiz uma festa, disse bem do prato e os meus três compatriotas seguiram o meu entusiasmo – só mesmo o alemão resistiu e optou por ficar por uma sopa.

Sentámo-nos, ainda a festejar a extraordinária vida que levaríamos aqui, com tanta comida e tão barata. O júbilo durou até à primeira garfada…
- Este bife tem uma textura estranha… - chamou à atenção o primeiro dos aventureiros a levar o garfo à boca.

Olhei para o bife, senti o leve e agradável aroma que ele lançava no ar… provei, ainda que a medo. Nunca tinha provado soja na vida, mas naquele momento percebi que aquilo não podia ser outra coisa. Posso garantir que foi a minha primeira e última garfada de soja – pelo menos enquanto tiver poder de escolha.

Fui alvo de uma verdadeira chacina durante o resto do almoço por parte dos meus compatriotas. Eles iam ter aulas à tarde e optaram por comer apenas o ovo, a salada e as batatas. Eu, que já estava enjoado com o cheiro, levantei-me e fui buscar outro prato. Desta vez era carne. E parecia feita por deuses!

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Era uma vez uma ida à casa de banho...




Há um mês acordei na República Checa, num sítio onde não conseguia encontrar uma palavra familiar, onde temos bonitas frases como “Jeho tištěná podoba je zpravidla čtvrtletně k dostání ve vsetínském knihkupectví Malina, které se podílí na jeho vydávání”. E não, não faço ideia do que isto significa: copiei a frase do primeiro site checo que encontrei. Acreditem em mim: só depois de “acordar” num sítio assim é que entendemos verdadeiramente a importância da nossa língua.

Estou num restaurante e quero ir à casa de banho. Não há nenhum símbolo indicativo. Tenho apenas duas portas: numa está escrito “muži“, na outra “ženy“. E agora? Entro na dos/das muži“ ou na dos/das “ženy“? Arrisco-me a entrar na casa de banho do sexo oposto? Espero até voltar para casa?
Poderia ser uma situação desagradável. Felizmente consegui gerir a situação com a maior habilidade. Já adivinharam? Exacto: o que fiz foi dizer com toda a confiança que “ženy“ significava “homens”. Depois, deixei o espanhol que me acompanhava ir à frente. Afinal de contas tinha 50% de probabilidades de acertar. Falhei, claro.

Foi pior para o espanhol que para mim, confesso. Limitei-me a ouvir o berro da senhora quando ele entrou na casa de banho enquanto ria às gargalhadas com a cara dele. E nunca mais me esqueci que muži“ significava homens“. Ah… e que no dia em que tiver uma casa de banho na própria empresa vou, sem dúvida, optar por um símbolo que seja interpretável universalmente!

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