sábado, 12 de maio de 2012

O fim de um ciclo

Ao longo do tempo foram mais as vezes em que me arrependi de não ter escrito do que de tê-lo feito. Há momentos que não se conseguem explicar, mas diz-me a experiência que a forma mais próxima que tenho de os poder reviver no futuro é, acima de tudo, através da palavra escrita. Escrevo, portanto, para quem quiser ler mas, acima de tudo, para mim.

Há um ano despedia-me da Queima de Coimbra. Achava eu que ia ser a minha última. Quis a vida que assim não fosse. Acabei por ficar e o que aconteceu durante este ano foi absolutamente marcante. Dizia no início da minha festa preferida que já me tinha despedido da cidade no ano passado e que, portanto, não a ia viver este ano de forma tão intensa. Pois bem, enganei-me.

Enganei-me porque pela primeira vez em quatro anos de Gestão senti uma ligação fantástica com os colegas dos outros anos do curso. Enganei-me porque aceitei o desafio de um grupo de miúdos fantásticos para organizar uma festa durante a Queima, mesmo sabendo que o cansaço extremo me deitaria abaixo. Enganei-me porque voltaram os meus primeiros buddies, que não via há um ano, e porque cá tive os actuais - a armada espanhola e as amigas polacas. Enganei-me porque vieram alguns dos meus melhores amigos do Brasil que não via há quase dois anos. Enganei-me porque a ligação com os amigos de sempre se fortaleceu imenso ao longo deste ano. Enganei-me porque mesmo os que não puderam cá estar sempre fizeram pelo menos uma visita.

Descobri, no final, que me enganei porque na última Queima não me tinha despedido da cidade. Quando acabou a música e nos puseram fora do parque não consegui evitar, creio que pela primeira vez com tanta emoção, que as lágrimas me corressem pela cara. Ainda hoje mais algumas estiveram ao canto do olho.

É um ciclo que se fecha.
É por ele que choro.
E só choro por algo que vale (muito) a pena.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Corrupção!

Sétimo ano de escolaridade. Turma de trinta alunos com os seus 12 anos cada um. Eleição do delegado de turma.

Está feito o quadro da história que venho hoje contar. 

Todos os anos pela altura da eleição do delegado de turma era a mesma história: guerra entre os vários alunos para ver quem NÃO ERA eleito. Nesse ano, porém, houve algo diferente. Pela primeira vez na minha curta história de vida havia não um, mas sim dois - DOIS!!! - candidatos a delegados de turma.

De um lado estava a Maria, calminha, responsável, representante máxima das meninas da turma. Havia algumas facções contra, mesmo entre os elementos do sexo feminino. Os professores gostavam dela, ela era boa aluna, mas sabia manter o equilíbrio: era inteligente sem ser totó.

Do outro lado estava o Miguel. Também bom aluno e inteligente primava por ser resmungão. Estava sempre a reclamar com tudo: professores, amigos, colegas... conselho de amigo: nunca mexam no cabelo do Miguel. Ele vivia mesmo à frente da escola e teimava em chegar todos - MESMO TODOS - os dias atrasado.

Pois bem, o Miguel pura e simplesmente recusava-se a ir, como todos os colegas, comer às cantinas. Durante muito tempo foi super-popular, porque era o miúdo que conseguia levar McDonalds para o refeitório e distribuir pelos amigos. Não foi uma nem duas vezes que a mãe do Miguel levou um pacote extra de batatas fritas e que elas serviram de acompanhamento ao meu almoço.

Agora imaginem o que isso representava para os professores: aquele gajo mandrião, que gostava de reclamar, que era do contra ao ponto de levar batatas do Mc para a cantina e de chegar atrasado todos os dias quando vivia a 2 minutos (a pé) da escola... mas que continuava ter boas notas sem grande esforço. Não lhes inspirava, por tudo isso, grande simpatia.

O Miguel queria mesmo ser delegado de turma, mas sabia que a Maria era uma concorrente à altura. Optou, portanto, por uma estratégia simples: fazer negócio, qual Valentim Loureiro em miniatura. O Miguel continuaria a levar-nos batatas do McDonalds para o almoço se em troca... votássemos nele!

Eu, como rapaz ingénuo que era, não resisti à tentação - não é assim tão condenável... a comida da cantina era mesmo má, acreditem! E eu gostava mesmo da porcaria das batatas, pronto! Tenho lá eu culpa disso?!

Tal como eu, mais de metade da turma o fez. E no final, vitória estrondosa para o Miguel. Ouviram-se hurras, houve batatas fritas nos festejos... enfim, uma vitória justa! Mas o pior veio depois...

A Maria aceitou mal a derrota. Meteu os seus advogados a trabalhar no caso. E, como é normal em boa democracia, ter apoiantes do lado do poder sempre deu muito jeito. Após tratar da melhor forma de depor o novo líder da turma, a Maria acabou por recorrer ao Supremo. O Supremo era, precisamente, o Director do Colégio.

E eis que estive sujeito, pela primeira vez, a uma decisão do Supremo. Ele desceu do seu pedestal, foi até à sala do 7º C e eis que assistimos a um discurso inflamado a apelar ao orgulho de ser representante da turma, de ser um verdadeiro Delegado de Turma. Argumentámos nós, ingénuos, que o Miguel tinha sido eleito de forma democrática. Mas eis que surge, então, a acusação:
- De forma democrática? O que vimos aqui foi um acto da mais pura corrupção!

CORRUPÇÃO?! Que diabo, mas corrupção não era só para os senhores do apito e para o Papa da Fruta de lá do norte do país? Corrupção? Mas quem raio seria o corrupto ali?!

E logo nos foi explicado:
- O Miguel não ganhou a votação. O Miguel comprou os vossos votos, já tive conhecimento do facto. Vocês venderam a honra da vossa turma, escolheram um representante que tem 20 faltas em apenas duas semanas de aulas. Escolheram alguém que, lamento imenso, não pode ser eleito Delegado de Turma. E é por essa mesma razão que eu tiro o cargo ao Miguel e o dou à Sub-Delegada, a Maria.

Revolta! Que raio de democracia era aquela em que nem se podiam aceitar umas batatas para festejar?! Que raio de política era esta em que o Supremo atribuía o cargo à sub-delegada sem que isso fosse levado a votação? Que raio de sistema defendíamos nós quando havia alguém para alterar os resultados do voto livre e democrático? Que raio de moral teria esta história quando se via que a estratégia maquiavélica da Maria tinha dado resultado?!?!?!?!?!

A indignação e o sabor a injustiça imperaram durante uns dias. O problema não era só o facto de o Miguel ter sido deposto do cargo: era que a Maria tinha sido eleita. Obviamente que todos nós, se soubéssemos que o Miguel não poderia ser eleito, teríamos votado em alguém que não queria ser eleito. Porquê? Por princípio: é que desta forma irritaríamos os professores, a Maria e ainda o desgraçado que tinha de gramar com a seca de ser delegado de turma... haveria melhor que isso?

Nota: uma vez que acima de tudo sempre esteve a vontade de irritar alguém, a turma soube unir-se para fazer a vida negra à nova Delegada de Turma, que era acusada de perseguição sempre que ficava com o cargo de "queixinhas" escrevendo o nome de todos os que se tinham portado mal na ausência do professor. No ano seguinte - e nos que se seguiram - nem a Maria nem ninguém quis ser eleito delegado de turma...

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Faz parte daquilo que sou...

O texto que está abaixo foi escrito há 6 anos atrás, na altura em que estava a deixar a Académica depois de a ter representado durante 8 anos. Era, na altura, dirigido aos meus amigos e colegas de equipa no dia da decisão mais difícil da minha vida. Deixar a Académica representava bem mais do que deixar um clube - era deixar o meio em que tinha vivido dos oito aos dezasseis anos, era deixar de jogar ao lado dos amigos de uma vida, era reconhecer que tinha perdido o sorriso sempre tivera.
Desde esse dia que sentimentos muito diversos tenho experimentado em relação à Briosa. É normal. Como em qualquer relação há algumas discussões, alguns gestos que magoam, alguns mal entendidos que despertam sensações muito diferentes... mas afinal o que é isto, senão o amor?
Por hoje tudo isto ter feito infinitamente mais sentido para mim, resolvi ir reler este texto e recuperá-lo. Afinal de contas não poderia, mesmo, deixar a Académica...
Não, amigos, não deixei a Briosa. Na verdade, nunca poderia "deixar" a Académica nem poderei "regressar" a ela, porque a Académica não é algo exterior a mim. Faz, irremediavelmente, parte daquilo que sou.
Na Académica aprendi a ganhar e a perder, aprendi o calor da solidariedade, aprendi a importância do trabalho de equipa, aprendi que para as vitórias são tão importantes os que estão no banco como os que jogam no campo, aprendia a partilhar risos e lágrimas, aprendi o valor de um gesto de apoio, aprendi a lutar contra as injustiças, aprendi a aceitar decisões dolorosas e a apoiar causas difíceis desde que as achasse compreensíveis ou justas.
Aprendi isto e muito, muito mais. Recentemente aprendi, por exemplo, que, em certos momentos, "não desistir" é não desistirmos de nós e daquilo em que acreditamos; que "não desistir" é termos a valentia de sermos os autores da nossa própria história, ainda que isso nos faça sofrer.
Foi esse o caminho que escolhi e que implica que deixemos de nos encontrar todos os dias. Não é um caminho fácil e eu não teria forças para percorrê-lo sem o apoio da minha equipa, sem o vosso apoio.
Obrigado a todos e não se esqueçam - eu não posso "deixar" a Briosa, não posso "deixar" os meus colegas de equipa (os que ainda jogam na Académica e outros que já não jogam mas que farão também parte dela para sempre), assim como não posso "deixar" os treinadores e as outras pessoas que neste clube me ajudaram a crescer. Não vos posso deixar porque todos vocês fazem parte do que sou. Obrigado, por me terem deixado crescer convosco.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

A criança é feita de cem

A criança
é feita de cem
A criança tem
cem linguagens
cem mãos
cem pensamentos
cem maneiras de pensar
de brincar e de falar.
Cem, sempre cem
maneiras de ouvir
de se maravilhar
de amar
cem alegrias
para cantar e perceber
cem mundos
para descobrir
cem mundos
para inventar
cem mundos
para sonhar.
A criança tem
cem linguagens
(e centenas mais)
mas roubam-lhe noventa e nove.
A escola e a cultura
separam-lhe a cabeça do corpo.
Dizem-lhe:
que pense sem mãos
que trabalhe sem cabeça
que ouça e não fale
que compreenda sem alegria
que ame e se admire
apenas na Páscoa e no Natal.
Dizem-lhe:
que descubra um mundo que já existe.
e de cem
roubam-lhe noventa e nove.
Dizem-lhe:
que o jogo e o trabalho
a realidade e a fantasia
a ciência e a imaginação
o céu e a terra
a razão e o sonho
são coisas que não estão unidas.

Ou seja, dizem-lhe
que os cem não existem.
Mas a criança exclama:
Nem pensar. Os cem existem!
Loris Malaguzzi

Não sei ao certo o que faz com que as coisas se passem assim. O que sei é que ontem vivi uma experiência que, apesar de tão simples, me ajudou a acreditar que é possível mudar o mundo. Constatar que há mais gente como eu, que há mais casas tão perto de casa, foi algo de extraordinário.

E ler hoje a página 230 d'O Elemento de Sir Ken Robinson e descobrir este poema hoje de manhã só vem fazer com que tudo isto se complete de forma ainda mais perfeita. Sim, os cem existem. E se a nós nos roubaram noventa e nove, porque não tratamos de os recuperar enquanto podemos?

Por mim, serei criança mais uns anos. Porque, sim, o "jogo e o trabalho, a realidade e a fantasia, o céu e a terra, a razão e o sonho" estão unidos, porque continuo com "cem mundos para inventar, cem mundos para sonhar"...

domingo, 1 de janeiro de 2012

Balanço


Foi o tempo que perdeste com tua rosa que tornou a tua rosa tão importante.

Antoine De Saint-Exupery "O Princepezinho"


Brrrrrrrrr.... que arrepio me dá a palavra balanço numa altura em que ando a fazer o trabalho de finanças e tenho de analisar uma data de Balanços de diferentes empresas. Mas não, o texto não é sobre isso. Não é, tão pouco, uma avaliação do ano de 2011. É algo bem mais simples...
Hoje dei por mim a pensar que este ano o Natal e a Passagem de Ano tinham sido especiais. Se a primeira das festas sempre teve para mim uma certa magia, a segunda nunca me disse nada. Acontece, porém, que já há uns anos a magia do Natal se vem perdendo um bocadinho. Primeiro com a descoberta da inexistência do senhor das barbas, depois pela ausência de algumas pessoas insubstituíveis.
Mas hoje, quando acordei, comecei a pensar o que se teria passado este ano para que eu tivesse voltado sentir a magia de outros tempos - e para que a tivesse sentido também na passagem de ano. Acho que descobri o que se passou: o ano foi duro, os próximos serão tão duros ou ainda mais. Houve um esforço grande para a contenção de despesas, com prendas mais baratas e personalizadas no Natal, com um grupo mais pequeno e uma festa mais caseira na passagem de ano.
O tempo que perdi com as prendas, o tempo que perderam com as minhas, o tempo que perdi a (des)organizar a passagem de ano foi, paradoxalmente, tempo ganho.
Foi, portanto, a união e o esforço que esta malfadada crise exigiram que tornaram esta época tão especial, depois do encanto que tinha vindo a perder nos últimos anos. O próximo ano terá muito de mau em termos económicos. Mas se conseguirmos manter esta união, esta força, esta criatividade para fazer mais com menos... então acredito que tudo isto valerá a pena.
Fica, portanto, o agradecimento a todos os que me fizeram perder tempo ganhando-o. Foram eles que devolveram a magia a esta época tão especial...

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