quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A romper com o passado (e com o ligamento)


Foi no Sábado passado que rompi definitivamente com o ligamento. Uma pessoa tem de ter saber dizer basta e, como a nossa relação já estava demasiado desgastada, decidi ver-me definitivamente livre dele. Afinal de contas que sentido faria continuar com alguém que nos magoa diariamente?! 

Falo do ligamento cruzado anterior do joelho direito, claro está. É importante clarificar isso uma vez que, poligâmico como sou, desejo muito manter estáveis as relações com todos os outros ligamentos do meu corpo...

Para romper uma relação de 21 anos, tive de recorrer à ajuda de especialistas neste tipo de coisa. Decidiram que a melhor maneira de romper definitivamente com tudo era tendo os dois especialistas por perto, ou seja, que eles próprios tratariam de tudo. Mas, para isso, eu tinha de me manter acordado, porque não podia retirar completamente de mim a responsabilidade de uma separação destas, claro está...

E assim foi... iniciámos com o ligamento uma conversa que durou cerca de duas horas e pouco. Confesso que foi tão longa que eu, cansado por só ter dormido uma hora na noite anterior, acabei por adormecer. Quando acordei percebi que devia ter havido alguma discussão. O ligamento não concordava com a separação. Tivemos, portanto, de avançar para o divórcio litigioso. 

Por essa altura só ouvia os dois especialistas a trocarem palavras como "Ora bolas... estava aqui. Será que esteve aqui desde o início e nós não o vimos?". Percebi, então que o ligamento andava a esconder-se, como é tão habitual em pessoas que têm algum peso na consciência. Foi com um misto de alívio e de susto que o ouvi a dizer "Não sei... mas corta, corta lá isso de uma vez!". E assim se consumou a quebra total.

O pior veio depois, durante dois dias, como é hábito neste tipo de coisas. Uma pessoa habitua-se a viver com um ligamento durante 21 anos e acaba sempre por sentir a sua falta... cheguei até a meter-me na droga para esquecer a dor, mas o pior momento foi quando sabia que não podia consumir mais, sob risco de overdose, e mesmo assim a dor não passava. Foi uma relação demasiado intensa durante tantos anos...

A partir daí a coisa melhorou. Comecei a conviver mais com os meus dois vizinhos - um deles também acabado de romper a relação com um ligamento (e, ainda por cima, depois de se ter zangado com o menisco) - e cada dia, cada passo, cada movimento sem o meu outrora querido ligamento era uma batalha. Foi importante o parceiro de luta, Sérgio, que, como eu, sofria imenso a cada gesto. Nesta altura valeram-nos o sabor a vitória no final de cada batalha e o sorriso causado pelo Sr. João, o outro companheiro de batalha, sempre preocupado em elevar o moral das tropas.

A guerra será longa - relações tão duradouras não se esquecem facilmente - e só vencendo batalha a batalha poderemos ganhá-la. Por agora ficam ainda as dores naturais neste tipo de separação e a convicção de que daqui a seis meses já não precisarei de me lembrar diariamente do ligamento cruzado anterior do joelho direito...

1 comentário:

Titi disse...

Que texto fantástico :)

Eu confesso que me borrava todo se ouvisse algum especialista a dizer "Não sei... mas corta, corta lá isso de uma vez!"... Não é lá muito reconfortante metermos nas mãos de especialistas o desenvolvimento das nossas relações e eles próprios duvidarem assim.

Mas pronto, é muito engraçada a forma como vais vendo a vida :)

Muita força rapaz =D

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