sábado, 2 de outubro de 2010

O Rio de Janeiro, por Astérix


O Rio tem o estranho hábito moldar o nosso estado de espírito, isso é facto. Quando o céu está cinzento todo o Carioca perde a alegria e se fecha em casa. Com o sol sai à rua, vai à praia e faz a festa em cada esquina.

Hoje o dia acordou cinzento. Sentia-se o pouco movimento nas ruas, as pessoas a arrastarem-se e a aproveitarem para usar as botas e os casacos que só podem usar nestes dias mais tristes...

Talvez por isso, quando saí de casa logo reparei na enorme quantidade de mendigos que invadiam as ruas. Muitos deles pediam dinheiro, coisa relativamente incomum por estas bandas... não liguei muito. Era só o Rio a fazer-me olhar para ele com outros olhos...

Já pela tarde o telefone toca:
- Está sim? Olhe, está aqui o senhor para lhe cortar o gás.
- Como para cortar o gás se eu só cá estou há um mês nesta casa e a conta só chegou esta semana???
- Não sei... se calhar é melhor falar com ele.

Desci.
- Então, amigo [aqui toda a gente se trata por amigo], o que se passa? Eu pago já tudo o que devemos, apesar de as dívidas não serem nossas...
- Ah isso não pode ser, amigão [aqui também toda a gente se trata por amigão]. É que eu ganho por cada casa em que corto o gás, por isso vou mesmo cortá-lo. O que posso fazer é, se vocês me derem um cheirinho, fazer de conta que cortei e não corto.
- Como é?
- Ah... se me derem um cafezinho ficam com gás. Se não derem tudo bem: eu corto o gás e ficam pelo menos 5 dias sem ele mesmo que paguem ainda hoje. 10 reais [4,29€] estavam bem para mim...

País nojento, este. Se se querem vender pelo menos que o façam por uma quantia decente... em Portugal pelo menos os árbitros pedem mais que isso ao Jorge Nuno! 4,29€ não chega nem para cortar um fora de jogo...

Saía de casa novamente, ainda irritado com o Corrupto do Gás. Estava a entrar no metro quando uma senhora dos seus sessenta e tal anos:
- Ai meu querido [aqui toda a gente se trata por "meu querido"], não se importa de me pagar a viagem de metro? É que eu não tenho dinheiro e precisava de ir para casa...
- É que eu tenho o cartão do metro e só tenho um real trocado. Se quiser posso dar-lhe um real.
- Ah mas então passe o cartão para mim...
- É que eu estou com pressa, que vou para faculdade! Mas ande lá, vá... mas rápido!
- Eu queria ir ao banheiro, ainda. É que estou mesmo apertadinha. É que a viagem até minha casa é de uma hora e meia e só há banheiro aqui...
- Vá lá, ande...

DESESPERO! Há dias em que tudo corre mal, fogo...

Ao fim da tarde chego a casa e ligo o Facebook:
"NÃO VÃO AO BRADESCO DA VISCONDE DE PIRAJÁ!" [Isto é o Banco onde eu costumo ir...]
"Acabei de ser vítima de cartão clonado. Já sacaram 600 contos da conta."

E uma série de outras mensagens com gente conhecida a dizer que também já lhes tinha acontecido o mesmo. Em pânico corri para o computador. Estava tudo bem.
Que país é este onde nem a levantar dinheiro estamos seguros?! Não se pode confiar em ninguém, não se pode fazer nada sem cuidado. Tem tanto de maravilhoso como de horroroso.

Fui para a praia com o céu carregado. Sentei-me e começou a chover um pouco. Via os surfistas nas ondas com relâmpagos ao longe - "gente doida!", pensei. Ali fiquei uma hora, talvez duas. Perdi a noção do tempo. Entretanto houve um trovão que fez tremer a areia... levantei-me e caminhei até casa.

E foi a partir daqui que descobri mais uma faceta do Rio: mais do que moldar o nosso estado de espírito ele consegue moldar-se ao nosso estado de espírito. Num dia em que tudo parecia correr mal só faltava mesmo uma tempestade para que todo o quadro ficasse completo.

E foi o que aconteceu: logo comigo, que só tenho medo que o céu me caia em cima da cabeça, tive oportunidade de vê-lo a cair-me em cima sob a forma de uma tempestade impressionante...

1 comentário:

Anónimo disse...

Na verdade foram mil contos... :s

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