segunda-feira, 11 de outubro de 2010

"O Sol ainda brilha na estrada que eu nunca passei", por Mim


Esta semana fez-me acreditar que há uma dimensão paralela algures por aqui. Fiz 3 exames seguidos, das 7:30 às 12:50, tentando não esquecer os conhecimentos sobre o hegemon financeiro e o emprestador de última instância, os diferentes níveis da hierarquia dos produtos e a Teoria das Ideias, mas tendo de os manter bem ordenadinhos para não falar de Sócrates no teste de Marketing ou da cadeia do produto em Negócios Internacionais. No final da semana fiquei sem saber, ao certo, se haverá esse mundo inteligível e esse mundo sensível. Mas fiquei com a certeza de que durante uma semana eu vivi em dois mundos diferentes...

Quando voltei ao meu mundo, na Sexta-Feira, tinha decidido ir passear para o Centro do Rio. Acordei e vim dar o meu passeio passeio pela internet: Público, ABola, Record, OJogo, IOL, Facebook, VaiPaSelva e Tapornumporco. Por acaso, nessa mesma manhã há um post que me é sugerido neste último blog. Chamava-se Estou-me a Vir, por Garoto de Ipanema e podem lê-lo se clicarem aqui (aconselho vivamente).

Acontece que estava um Sol que pedia praia... e logo ficou  decidido que o Centro seria visitado noutro dia. Dei dois mergulhos - a praia estava linda e a água óptima - e, logo, o tempo virou. O céu ficou encoberto, eu peguei nas minhas coisas, tomei um banho e vesti-me para ir ao Centro, como tinha inicialmente planeado.

Mas já há uns tempos que ando à procura de um posto de turismo no Rio, um sítio onde me dêem um mapa. Por isso vim à internet procurar um aqui, perto de minha casa ou no Centro. Não encontrei. Mas, por acaso, vi anunciado no site um concerto dos Green Day. Curioso, abri e quando cheguei à página dos concertos encontro em letras pequeninas: "Caetano Veloso, dia 8 de Outubro".
- Que dia é hoje? - perguntei.
- Sexta-Feira. Dia 8.
- Olha, já não vou sair convosco. Vou imediatamente comprar o bilhete para o Caetano e vou vê-lo logo à noite. Alguém quer vir?

Disseram que não. Meti a mochila às costas, fui buscar dinheiro e parti rumo ao Centro e à casa de espectáculos. Pelo caminho peguei no Destak e, na primeira página, o anúncio do concerto - na verdade era mais que um concerto: era a gravação do DVD do último CD lançado pelo Caetano (Zii e Zie) que será posto à venda brevemente.

Estive na fila sem grande esperança de arranjar bilhete. Quando soube que não estava lotado fiquei eufórico... então quando soube que o preço do bilhete eram 20 reais (cerca de 8 euros)!!!


Passeei pelo Centro durante o resto da tarde. Andei sem destino nem direcção: Cinelândia, Carioca (arranjei o meu relógio por 1,3 euros, comi um hambúrguer e bebi uma limonada por 50 cêntimos), Uruguaianas, Sebos na Rua Luís de Camões, Real Gabinete Português de Leitura, Catedral Presbiteriana, Rua da Carioca, Metrô, casa, Metrô, Vivo Rio, CAETANO VELOSO - ZII E ZIE!

Quanto ao concerto... só conhecia mesmo bem 3 músicas: Menina da Ria - que já teve direito a post aqui no VaiPaSelva (clique aqui para ver), Odeio e Billie Jean. Mas o concerto foi algo tão de outro mundo que tudo o que consegui foi conhecer mais umas tantas músicas geniais - fossem elas escritas pelo Caetano ou apenas interpretadas por ele. Transforma em ouro tudo em que toca. Um verdadeiro génio...

Aqui fica o alinhamento do concerto com os links para as músicas:

Faltam aí algumas músicas, provavelmente algumas até estarão fora de ordem. Mas não há-de estar muito longe disto, o alinhamento do concerto. Vim para casa (partilhei táxi com um mega-especialista em Caetano que é estudante de cinema no Rio e que conheci durante o show) e estive a re-ouvir o concerto no youtube.

Já deitado, às escuras, não consegui deixar de pensar: ainda bem que o dia acordou ensolarado, ainda bem que as nuvens cobriram o Sol, ainda bem que li o texto no Tapor - que me fez vibrar ainda mais com o Billie Jean -, ainda bem que decidi procurar um posto de turismo no Rio de Janeiro, ainda bem que arranjei o Destak, ainda bem que paguei os 20 reais, ainda bem que fui ao concerto, ainda bem que falei com o "especialista em Caetano", ainda bem que vim para casa e re-ouvi o concerto. Só de pensar que se o dia tivesse acordado nublado talvez eu tivesse perdido tudo isto...

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Barbeiro... ou tesoura nas mãos de um lenhador?


Chegara o dia: tinha de escolher um sítio para ir cortar o cabelo. 

"Onde diabo vou eu encontrar um cabeleireiro ou barbeiro nesta cidade?!", pensei. "Deixa-me ver nesta espécie de mini-shopping do outro lado da rua". E lá fui. Num edifício com muito poucas lojas mas, ainda assim, com 3 andares, havia 6 cabeleireiros. Com muito bom aspecto, mesmo. Contudo, não tinham preços à vista e não tinham nenhum homem lá dentro a não ser os próprios cabeleireiros. E ainda por cima não tinham os preços à vista. "Naaaa. Nesta não me apanham. Vou aqui à Galeria do lado. Só tem um piso mas pode ser que tenha sorte...".

Na galeria havia 4 cabeleireiros com bom aspecto, uma loja com tudo o necessário para cabeleireiros, outro cabeleireiro especializado em penteados africanos, um barbeiro e uma agência de viagens com uma placa a dizer "compro ouro" e onde estavam duas pessoas a... cortar o cabelo! Na galeria havia bons preços: 15 reais um dos cabeleireiros com bom aspecto, 18 outro, o barbeiro também 18...

A minha vontade era ir a um cabeleireiro mais confiável como os primeiros que tinha visto. Contudo, coisa estranha, em nenhum deles havia homens e todos eles estavam a abarrotar de mulheres que faziam pedicure, manicure e todas as outras coisas que podiam passar pela cabeça. "Fogo, não me vou meter ali. Pareço um doidinho..."

"Mas tu és um homem ou és um rato?!", pensei para mim mesmo. "No Brasil sê brasileiro: vamos lá ao barbeiro!". Quando lá chego vejo que está um cliente a ser atendido e dois sentados à espera. "Nunca mais daqui saio...vou mas é ver a galeria da frente.". Aí havia mais 3 cabeleireiros e uma loja de informática. Os cabeleireiros, também eles com bom aspecto, anunciavam mega-promoções: "Corte Masculino por apenas 25 reais!!!".

"Fogo! Mais vale ir ao barbeiro e ficar lá à espera...". Voltei atrás. Já só estava uma pessoa à espera, que entretanto tinha adormecido na cadeira. Abro a porta e logo essa pessoa se levanta num salto que faria inveja a qualquer atleta de salto em altura. "Mer...!", pensei.

O que estava a dormir era o barbeiro. Com os pelos a sair da camisa aberta, um ar de "barbeiro à antiga" assustador.
- Era para cortar o cabelo. Queria mais ou menos como está. Mas mais curto, claro...
- Com as orelhas à mostra?
- Hummmm... se calhar é melhor não!

E lá começa o senhor a cortar-me o cabelo. Levanta um tufo de cabelo e dá um corte em todo ele. Levanta outro tufo e mais um corte a direito. Depois, puxou o cabelo para a frente e fez o recorte de um círculo. E ali estava eu a olhar-me ao espelho com um sorriso cada vez maior, que tentava, a todo o custo, evitar as gargalhadas que na minha cabeça não tinham ainda parado.

Depois de cortado o cabelo como se estivesse a tentar adaptá-lo a um capacete, eis que ele pega novamente na outra tesoura: "Ah, afinal isto era só uma técnica nova, agora vai corrigir. Menos mal!", pensei.

Mas ele limitou-se a empurrar-me a cabeça para a frente e a cortar o cabelo da parte detrás da mesma em linha recta.

E assim foi. Passa para cá 18 reais que a minha parte já está feita.

Portanto agora sou eu que digo: se alguém precisar de costurar alguma coisa pode falar comigo. Eu mesmo costuro. Só peço 18 reais para ver se recupero o que gastei no barbeiro. E assim como assim percebo tanto de costura como ele de cortes de cabelo...

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Tiririca e... Portugal


Os brasileiros passam a vida a fazer piadas sobre os portugueses. Os portugueses são os burros: em Portugal fazem-se piadas sobre loiras (burras); aqui as piadas são exactamente as mesmas, mas trocam a palavra "loira" por "português". E, assim, todo o povo português fica com fama de burro...

Acontece que, agora, o mesmo povo brasileiro que chama burro ao povo português vota num palhaço (não no sentido pejorativo do termo) que é, ao que parece, analfabeto. Segundo consta, Tiririca não acabou o ensino primário. Como podemos ver no vídeo do final do post, precisou de ajuda do seu filho para ler as perguntas que lhe eram colocadas. E, mesmo assim, os brasileiros votaram nele.

Mas este post não é sobre Tiririca e o Brasil, mas sim sobre Tiririca e Portugal. Porque, de facto, eu acabo por concordar com esse estereótipo brasileiro em relação ao povo português. Obviamente que as generalizações são perigosas e, muitas vezes, insultuosas - será tema para post, mais tarde. Mas o que eu queria saber era o que vocês, selvagens, consideram uma atitude mais burra:

1) Votar no Tiririca sabendo à partida que ele não vai fazer nada e que é o simbolismo de todo o lixo político brasileiro. Elegê-lo como Deputado Federal sabendo que ele não apresenta nenhuma proposta séria para o período em que estará no cargo;

ou
2) Votar (segunda vez) num tal de José Sócrates para Primeiro Ministro sabendo que ele está associado ao caso freeport, à licenciatura marada, ao caso do apartamento de luxo comprado a preço módico, ao caso cova da beira, ao caso dos projectos Guarda/Covilhã, à «famiglia» mencionada como estando envolvida num caso de licenciamento público de um projecto privado - o freeport -, ao primo de shaolin, ao novo primo que também não está no país e é citado como intermediário no caso freeport, ao escandaloso silenciamento da redacção da TVI etc. etc. etc. e já tendo visto o que ele fez em 4 anos no cargo.

A minha opinião é simples: se no primeiro caso isto pode ser visto como um voto de protesto, no segundo não pode. Este protesto é, aliás, o argumento de muitos brasileiros. Não sei se sabem, mas aqui no Brasil é obrigatório votar:
"O eleitor que não votar nem justificar sua ausência nos prazos determinados pela Justiça Eleitoral incorrerá em multa imposta pelo Juiz Eleitoral. Sem a prova de que votou, pagou multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor inscrever-se em concurso público, obter passaporte ou carteira de identidade, renovar matrícula em estabelecimentos de ensino oficial, obter empréstimos em estabelecimentos de crédito mantidos pelo governo, participar de concorrência e praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda. Se o eleitor deixar de votar em três eleições consecutivas, seu título será cancelado."

Assim, muitas vozes tenho ouvido (ou, melhor dizendo, muitas letras tenho lido) gritando que o voto obrigatório devia acabar. Que, não havendo alternativas sérias, o povo não devia ser obrigado a votar. E que, enquanto houver esta obrigatoriedade, o país ficará sujeito a estes votos de protesto, como acontece com o Tiririca.

Sejamos francos: alguém acredita que ele dará um bom deputado federal? Podemos, então, ver os paulistas que tão chingados são aqui no Rio de Janeiro, como os mártires do povo brasileiro: aqueles que preferem deixar o seu futuro nas mãos de um palhaço analfabeto, só para protestarem contra as alternativas existentes e contra a obrigatoriedade do voto.

Obviamente que isto é só uma interpretação das coisas. Muitas outras haverá - há, com certeza, quem ache que o povo paulista é tão burro que acha que o Tiririca é a melhor opção. A mim custa-me um pouco a acreditar...

Mas é aqui que entra a segunda alternativa: a alternativa José Sócrates. Mesmo sabendo tudo o que se sabe, mesmo tendo passado por tudo o que passou durante quatro dolorosos anos, o povo português vai às urnas eleger o mesmo inginheiro como Primeiro Ministro! Não há o voto obrigatório, não há essa justificativa de ser o mártir para provar que as alternativas são más (porque se assim fosse não o elegiam segunda vez)... será, talvez, por masoquismo. Ou por algo pior.

Em suma: Brasil e Tiririca, Portugal e José Sócrates - dois países tão diferentes e tão semelhantes. Resta saber quem merece mais as piadas da burrice. O voto no Tiririca é tão absurdo que a única lógica que vejo nele é aquela que expliquei em cima. Mas não se pode subestimar a burrice de um povo: a maior prova disso é que o Sócrates foi reeleito.

Fica, então, a dúvida. Tiririca como símbolo de um país. Resta saber se isso será bom ou mau...

Fica o vídeo do Tiririca:



PS: Parece que ainda por cima as mulheres fruta não foram eleitas. Agora é que me desiludiram, brasileiros: já que é para protestar mais valia ver as mulheres fruta na globo do que ver o Tiririca, né?!

domingo, 3 de outubro de 2010

U2 - 360 graus, Coimbra, por Numb in Tapornumporco


E pronto: os U2 lá tocaram ontem no meu quintal! Tocaram é como quem diz... O espectáculo que apresentam não pode ser visto como estritamente musical: é um espectáculo multimédia high tech em que a música é uma componente (fundamental, claro!), mas não a única. Montar um espectáculo destes envolve coisas tão diferentes como a engenharia e a arquitectura (a solução do palco a meio do relvado como uma enorme ilha cercada pelo mar revolto da multidão, a forma da garra, a alusão à nave espacial), luz, cor, som, performance, etc, etc. Vai longe o Verão de 1982 quando vi estes mesmos U2 em Vilar de Mouros, à data uma pequena banda irlandesa que despontava, dois discos gravados, apenas um (Boy) editado em Portugal. Lembro-me que eles cairam cá por acaso, para substituirem um grupo que falhou à última hora - já não me lembro do nome desse grupo mas nunca mais perdi os U2 de vista, já então me pareceram uma super banda com uma energia fantástica. Nessa altura apenas tinham essa energia e uma música do outro mundo. Fiquei impressionado com aquele guitarista, The Edge, que tanto tirava sons planantes da guitarra como riffs distorcidos e com a vitalidade do vocalista, Bono Vox que, nesse concerto, para desespero da segurança resolveu escalar as colunas do palco até ao cimo. Nesse concerto Bono fez um número que repetiu ontem: sacou uma fã para o palco e pôs-se a dançar com ela. Resulta sempre, a malta fica em delírio...

Os U2 que vi ontem já pouco têm a ver com os jovens irlandeses de 82. Mantêm a mesma vitalidade, mas o espectáculo é outro, uma espécie de celebração religiosa dos mega hits que o grupo foi editando eo longo de décadas de carreira. Em muitas músicas Bono nem precisa de cantar, o público está lá para isso, para as palminhas colectivas e para os coros dirigidos pelo maestro Bono. Aquilo é um ritual. Os U2 já não dependem tanto da música como em 82.
Mas tudo isto é natural. Os tempos são outros, a banda tornou-se a segunda maior do planeta (a seguir aos velhos Stones), eu sabia perfeitamente que o formato é agora este.

O concerto abriu com Beatiful Day, depois de uma introdução gravada a anunciar o clima sideral do concerto com Space Odity de David Bowie. Seguiram-se, por esta ordem, I will follow (um regresso ao concerto de 82 e um dos momentos da noite), get on your boots, magnificence e depois perdi-lhes a conta. Sei que tocaram elevation, i still haven`t found what i`m looking for, she moves (in misterious way), where the streets have no name (outra grande execução numa colagem a uma balada que tocaram antes), sunday bloody sunday, city of blinding lights (outro grande momento, o culminar dos efeitos especiais) vertigo (fantástico), miss sarajevo (fabuloso com Bono a fazer de Pavarotti nas partes em italiano), moment of surrender, i go grazy, one, walk on, e fecharam com with or without you. Pelo meio tocaram mais umas músicas cujo nome não sei.
De fora ficaram algumas das minhas preferidas mas ficariam sempre fosse o que fosse que eles tocassem. Mas tive pena de não ouvir pride, zoostation, zooropa, numb, gloria,lemon, gloria, bad, baby face... Mas reconheço-lhes o mérito de não fazerem do concerto uma parada de hits. Nem isso seria coerente com a postura da banda.

Do que não gostei mesmo foi do volume de som nas músicas mais rápidas e conhecidas. Acho que nessas músicas eles abusaram da potência e o resultado foi um efeito de barragem sonora em que não dá para reconhecer os diferentes instrumentos. É estranho que a guitarra do the edge surja compactada numa massa sonora indistinta. Os riffs de vertigo, de get on your boots ou de beatiful day mal se reconheciam no meio daquela amálgama sonora, quando deviam perceber-se claramente. Acho que nestas músicas o excesso de volume tirou energia quando era suposto produzi-la.

Quanto ao palco, a famosa garra de 360 graus é uma grande ideia. No início pareceu-me não resultar muito bem porque se perdiam os efeitos de fundo que existem nos palcos tradicionais. Mas depois percebeu-se que isso foi apenas uma opção na primeira parte do concerto. A partir da segunda série de músicas, a «nave espacial» foi ligada e somos esmagados com toda a panóplia de efeitos especiais aguardados. Há uma declaração de um astronauta numa estação espacial, sunday bloody sunday é tocado num fundo verde (Irlanda), mas curiosamente, as imagens são de intifadas em países muçulmanos, aparecem imagens de apoio a Aung Suu Kiy e até o bispo Desmond Tutu aparece numa mensagem a dizer-nos que as pessoas que venceram com Luther King, com Mandela e outros contra os regimes despóticos, são sempre as mesmas e estão ali... somos nós ( e eu pensei que esta mensagem é irónica quando dirigida a um povo que vota duas vezes num tiranete e que, portanto, é um exemplo não só de amorfismo, mas de amorfismo masoquista. Não, não somos nós um bom exemplo de um povo que derruba farsantes).

Hoje os U2 voltam ao meu quintal e está a chover. Seria lamentável se o concerto fosse cancelado por esse motivo. Espero que não. O pior do concerto de ontem foi quando recebi um sms do meu amigo roberto que teve convite para a zona vip. Dizia: «as gambas não estão más». E eu apertadinho na relva, em luta desesperada por um cantinho conquistado à custa de muita cotovelada não tive outra hipótese que não fosse remeter-lhe um «pó caralho». Até nos U2 há classe sociais, fónix...

sábado, 2 de outubro de 2010

Também há mitras no Rio de Janeiro

 
Também há mitras no Rio de Janeiro.

Vestem as mesmas calças com a meia branca para fora, o mesmo boné com a pala para o lado, as mesmas tatuagens e o mesmo brinco. Têm o mesmo andar gingão e o mesmo ar broeiro. Cheiram também a tabaco,  a maconha e a trinta mil raios. Não andam na Brotero... mas podiam andar.

Outro dia, passeava eu em Ipanema sozinho e eis que vejo dois mitras a virem no sentido contrário ao meu. Íamos ter de nos cruzar a bem ou a mal. Não havia volta a dar. A rua estava deserta. Vinham os dois com o seu cabelo rapado, as meias brancas para fora das calças e as suas cavas para deixarem as tatuagens bem visíveis. Ah! E, claro, o cap com a pala para o lado!

Estava com medo. Pensei numa solução mas acabei por me conformar: "serei assaltado como um homem e não como um rato". Mantive o passo acelerado mas convicto, tentando não mostrar o medo que sentia.

20 metros de distância - seguem os dois lado a lado. Olham para mim.

15 metros de distância - trocam um olhar entre eles.

10 metros de distância - há um que diz qualquer coisa ao ouvido do outro.

5 metros de distância - sorriem os dois e... dão as mãos.

Cruzámo-nos e eles continuaram a sua viagem por entre sorrisos e segredinhos, de mãos dadas e a trocarem carinhos.

Os mitras já não são o que eram, fogo!

O Rio de Janeiro, por Astérix


O Rio tem o estranho hábito moldar o nosso estado de espírito, isso é facto. Quando o céu está cinzento todo o Carioca perde a alegria e se fecha em casa. Com o sol sai à rua, vai à praia e faz a festa em cada esquina.

Hoje o dia acordou cinzento. Sentia-se o pouco movimento nas ruas, as pessoas a arrastarem-se e a aproveitarem para usar as botas e os casacos que só podem usar nestes dias mais tristes...

Talvez por isso, quando saí de casa logo reparei na enorme quantidade de mendigos que invadiam as ruas. Muitos deles pediam dinheiro, coisa relativamente incomum por estas bandas... não liguei muito. Era só o Rio a fazer-me olhar para ele com outros olhos...

Já pela tarde o telefone toca:
- Está sim? Olhe, está aqui o senhor para lhe cortar o gás.
- Como para cortar o gás se eu só cá estou há um mês nesta casa e a conta só chegou esta semana???
- Não sei... se calhar é melhor falar com ele.

Desci.
- Então, amigo [aqui toda a gente se trata por amigo], o que se passa? Eu pago já tudo o que devemos, apesar de as dívidas não serem nossas...
- Ah isso não pode ser, amigão [aqui também toda a gente se trata por amigão]. É que eu ganho por cada casa em que corto o gás, por isso vou mesmo cortá-lo. O que posso fazer é, se vocês me derem um cheirinho, fazer de conta que cortei e não corto.
- Como é?
- Ah... se me derem um cafezinho ficam com gás. Se não derem tudo bem: eu corto o gás e ficam pelo menos 5 dias sem ele mesmo que paguem ainda hoje. 10 reais [4,29€] estavam bem para mim...

País nojento, este. Se se querem vender pelo menos que o façam por uma quantia decente... em Portugal pelo menos os árbitros pedem mais que isso ao Jorge Nuno! 4,29€ não chega nem para cortar um fora de jogo...

Saía de casa novamente, ainda irritado com o Corrupto do Gás. Estava a entrar no metro quando uma senhora dos seus sessenta e tal anos:
- Ai meu querido [aqui toda a gente se trata por "meu querido"], não se importa de me pagar a viagem de metro? É que eu não tenho dinheiro e precisava de ir para casa...
- É que eu tenho o cartão do metro e só tenho um real trocado. Se quiser posso dar-lhe um real.
- Ah mas então passe o cartão para mim...
- É que eu estou com pressa, que vou para faculdade! Mas ande lá, vá... mas rápido!
- Eu queria ir ao banheiro, ainda. É que estou mesmo apertadinha. É que a viagem até minha casa é de uma hora e meia e só há banheiro aqui...
- Vá lá, ande...

DESESPERO! Há dias em que tudo corre mal, fogo...

Ao fim da tarde chego a casa e ligo o Facebook:
"NÃO VÃO AO BRADESCO DA VISCONDE DE PIRAJÁ!" [Isto é o Banco onde eu costumo ir...]
"Acabei de ser vítima de cartão clonado. Já sacaram 600 contos da conta."

E uma série de outras mensagens com gente conhecida a dizer que também já lhes tinha acontecido o mesmo. Em pânico corri para o computador. Estava tudo bem.
Que país é este onde nem a levantar dinheiro estamos seguros?! Não se pode confiar em ninguém, não se pode fazer nada sem cuidado. Tem tanto de maravilhoso como de horroroso.

Fui para a praia com o céu carregado. Sentei-me e começou a chover um pouco. Via os surfistas nas ondas com relâmpagos ao longe - "gente doida!", pensei. Ali fiquei uma hora, talvez duas. Perdi a noção do tempo. Entretanto houve um trovão que fez tremer a areia... levantei-me e caminhei até casa.

E foi a partir daqui que descobri mais uma faceta do Rio: mais do que moldar o nosso estado de espírito ele consegue moldar-se ao nosso estado de espírito. Num dia em que tudo parecia correr mal só faltava mesmo uma tempestade para que todo o quadro ficasse completo.

E foi o que aconteceu: logo comigo, que só tenho medo que o céu me caia em cima da cabeça, tive oportunidade de vê-lo a cair-me em cima sob a forma de uma tempestade impressionante...

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