Este era o jogo
mais importante da vida daqueles jogadores. E o mais importante da vida dos
treinadores. Dos directores e de muitos adeptos. Este era o jogo mais
importante da história do clube, o Clube Desportivo Carapinheirense.
O que estava em
causa não era só o resultado de um jogo. Nem sequer, apenas um título. Era
muito mais que isso: para muitos directores era o culminar de um trajecto de 9
anos, 365 dias vezes nove, de dedicação a um clube que ascendeu da divisão mais
baixa da distrital até se sagrar, agora, campeão distrital de Coimbra e subir à
segunda divisão nacional.
Foi difícil o
caminho, mas seguro, sempre com decisões sustentadas. Nunca o clube entrou em
loucuras – foi reforçando o plantel com segurança, com aquisições cirúrgicas,
poucos mas bons. A cada ano que passava, o plantel ficava mais forte. E foi
assim que se tornou possível subir sem que este êxito custasse um quarto do que
custa geralmente uma subida a uma divisão nacional. Os directores do clube
estão de parabéns – o que fizeram ao longo destes anos foi, de facto, notável.
Basta passarmos hoje pelo parque desportivo do CDC para percebermos como tudo
mudou, de há 10 anos para cá, para muito melhor. Do pelado nasceu o relvado, os
balneários novos, o relvado do râguebi e, sobretudo, manteve-se a pujança de um
clube que tem assistências como alguns clubes nacionais, muito maiores, não
conseguem ter. Esta subida é deles, dos crónicos directores, antes de mais -
são eles os verdadeiros corredores de fundo deste trabalho e não os nomeio aqui
porque, não os conhecendo todos, correria o risco de estar a ser injusto com
algum. Mas, para eles, não se jogou ontem um simples jogo nem um simples
título, mas 9/10 anos de trabalho consistente. Se alguém merece este título são
os directores do CDC que nunca esmoreceram no seu entusiasmo. Parabéns: vocês
fizeram um grande trabalho!
Este é, também,
claro, o título destes jogadores, um plantel fantástico, com uma grande atitude
e com jogos autenticamente heróicos, quando não vai na técnica vai na alma,
como o deste domingo ou como o jogo com o ançã em casa. Foi sempre esse
suplemento de alma, para além da óbvia classe de alguns destes jogadores, que
fez a diferença em relação a equipas com plantéis mais apetrechados (plantéis,
não onzes). Todos os jogadores do plantel
mereceram este título, mesmo o que jogaram menos vezes, porque todos
contribuíram para o excelente espírito de equipa que sempre foi visível. Se eu
estivesse formalmente ligado ao clube não destacaria nenhum e ficar-me-ia pela
afirmação institucional do «todos foram importantes». Mas não sou. Como simples
adepto de bancada posso opinar de outra forma e dizer aqui que embora todos
tenham sido importantes, este plantel tem alguns jogadores que se destacaram
por vários motivos. Assim, da defesa para o ataque, eis o que eu penso desta
malta:
Guarda redes –
vi três GR em acção:
Paulo André – teve o azar de se lesionar mas é, quanto a mim, o
melhor guarda redes da divisão de honra. Um portento de agilidade e segurança.
Mika – foi um bom substituto do Paulo André (aliás esse
foi um dos méritos da equipa técnica e da direcção que souberam sempre renovar
o plantel, cirurgicamente, quando foi necessário devido a lesões dos titulares.
Aconteceu noutras posições). Confesso que nos primeiros jogos em que actuou não
me pareceu tão bom, mas acaba a época em grande. O seu jogo para taça com a AAC
foi do outro mundo.
Marco - Entrou na equipa numa situação muito complicada por
lesão do titular e impedimento do alternativo. Quem não se recorda da sua
exibição no peladão do Moinhos num jogo disputado com um a menos durante 45
minutos? Esteve fantástico e merece este título por esse jogo.
Defesas
Laterais:
Ricardo – grande adaptação. Passou da posição de avançado
para médio ala e recuou para lateral direito na ponta final do campeonato. Foi
onde esteve melhor. É uma óptima adaptação muito bem vista pelo treinador.
Na esquerda, como
sempre, esteve um histórico do clube: Luís Santos. É um dos meus
jogadores preferidos pela garra e pelo empenho que contagiam os colegas. É
daqueles jogadores que, não sendo um tecnicista, qualquer treinador gostaria de
ter. Pelo seu passado está um pouco marcado pelos árbitros mas alia à garra uma
capacidade de controlo muito grande. Consegue gerir a agressividade e, se é
verdade que às vezes é expulso, também é verdade que expulsa muitos
adversários, como aconteceu no domingo no jogo do título (e, quanto a mim, a
expulsão do jogador do febres é o momento do jogo).
Xavier foi o lateral alternativo entrando quer para a
esquerda quer para direita. É um jogador muito forte fisicamente mas ainda não
controla bem as suas emoções em campo. Quando aprender a dosear a agressividade
vai impor-se na equipa mas precisa de mais frieza na análise das situações de
jogo.
Centrais – a dupla de centrais da primeira metade do campeonato
foi formada por Tiago/André. São ambos excelentes jogadores mas nalguns
jogos não se complementaram bem porque têm características idênticas de
centrais técnicos, não muito físicos. O treinador viu o problema – foi mais manifesto
no jogo com o Vigor na primeira volta – e mudou a dupla na segunda metade do
campeonato para Chipi/Vicente. Fizeram uma dupla intratável, o contrário
da outra porque são mais físicos que técnicos. São muito difíceis de bater e
revelam grande coragem física nos jogos. O puto Vicente merece uma palavra
especial pela sua juventude – tem condições para evoluir mais se mantiver a
garra e melhorar a saída de bola.
Uma palavra final
para o André que saiu da equipa na parte final mas que não pode
esmorecer porque já revelou muita qualidade. Creio que pode fazer outros
lugares e ser útil à equipa noutras posições (por exemplo nas laterais ou a
trinco).
Meio campo –
Quanto a mim
esteve aqui o ponto forte da equipa. O meio campo do CDC é o melhor do campeonato
e conseguiu na maior parte dos jogos assumir a iniciativa de jogo. Isso não é
de estranhar porque a equipa tem aqui jogadores que alinham juntos há anos (canoso,
seidy e ivo) e ainda foi reforçada com mais um excelente tecnicista:
alex. O resultado é que não há meio campo no campeonato com maior
capacidade de posse de bola. Individualmente:
- Canoso –
foi o trinco da equipa de princípio ao fim. Pareceu-me que perdeu este ano um
pouco do nervo e da rapidez que mostrou noutras épocas, mas é sempre uma garantia
na posse de bola porque sabe jogar. Nunca se escondeu do jogo e esteve sempre
disponível para as funções defensivas. Mereceu o título que foi um prémio por
todos estes anos de dedicação ao clube.
Seidy – bom, desculpem-me os outros mas o seidy é um caso à
parte. Para mim não é apenas o melhor jogador do CDC. É o melhor jogador do
campeonato! Isso notou-se nesta segunda volta em que foi vítima de marcações
apertadas, como agora com o Febres. Mesmo assim, um craque é um craque e fez
jogos fantásticos: resolveu em livres directos, marcou golos em que embalou do
meio campo e só parou no golo (como contra o Vigor), jogou e fez jogar toda a
equipa. Lembro-me de jogos em que a assistência o aplaudiu de pé. Uma pessoa vê
este jogador e vê outros de divisões muito mais acima e pergunta-se «o que é
que ele faz aqui? Ainda bem para o CDC.
Ivo – fez a melhor época dos últimos anos no CDC. Sempre
achei que é um jogador que não explora todo o potencial (técnico e de
velocidade) que possui. Este ano esteve mais próximo do seu valor real e o jogo
com o Febres foi a prova disso – fez o melhor jogo que já lhe vi fazer e foi
com o Alex, o melhor em campo. Foi decisivo nos cantos (por exemplo contra a
AAC em casa) que bate muito bem. É o melhor flanqueador da equipa.
Alex – foi a melhor aquisição da época. Vi-o no início no
torneio do Vigor e não me impressionou. Mas foi subindo e nesta ponta final
atingiu um patamar muito alto. É o homem que marca o ritmo da equipa, sabe
quando deve acelerar e abrandar o ritmo de jogo e isso numa distrital faz toda
a diferença. É muito evoluído taticamente. Raramente perde um passe e é um dos
responsáveis pelo facto do CDC ter geralmente a pose de bola. Ainda por cima é
um exímio marcador de livres e de cantos. O 2-1 com o febres, mais uma vez
nasce de um canto seu. Foi, quanto a mim, o melhor jogador em campo no jogo do
título. Dizem-me que era defesa esquerdo – se assim era, foi mais uma excelente
adaptação do treinador que o colocou a médio interior esquerdo.
Tuga – Foi o quinto médio da equipa. Apesar de franzino tem
muita energia e é muito agressivo. Deixa sempre tudo em campo. Mas não se fica
por aí uma vez que tem boa técnica e sabe jogar. Combina bem com seidy que
procura geralmente para entregar a bola. Não me convenceu a médio ala (falta-lhe
velocidade) mas é bom a interior mais defensivo.
Renato – foi um jogador pouco utilizado. Tem boa técnica. Se
melhorar a agressividade e conseguir ter mais tempo de jogo (mais desarmes e
mais posse de bola) vai melhorar muito.
Avançados –
Faria – Outro dos jogadores decisivos, vai ser,
possivelmente, o melhor marcador do campeonato. Quem viu o Faria jogar há dois
anos não o reconhece – era um jogador sem agressividade. Agora, pelo contrário,
esta é a sua marca. O que o distingue de muitos outros pontas de lança é que
estamos aqui perante um verdadeiro atleta que, a partir do momento em que
resolveu ser agressivo, passou a ganhar vantagem nos duelos individuais. Ele é
geralmente mais rápido, mais forte, mais ágil, tem mais impulsão e resistência
que qualquer outro ponta de lança do campeonato. Há outros melhores
tecnicamente mas não há nenhum que seja melhor atleta – é um jogador de ferro
capaz de passar noventa minutos a chocar com os centrais e no fim está
perfeito. Como se viu com o Febres e com o Vigor, jogos duros e de grande
tensão em que marcou 4 golos. Não é só o melhor ponta de lança do campeonato –
é o melhor atleta do campeonato. Vai ser o melhor marcador e merece.
Rafael Duarte – fez uma grande dupla com Faria e apontou 10 golos.
Já não tem a velocidade de outros tempos mas ainda é um bom ponta de lança
porque quem sabe não esquece. Sacrificou-se pela equipa no jogo em casa com a
AAC – acabou lesionado com gravidade, depois de ter entrado já debilitado, mas
apontou dois golos de cabeça. E nunca mais jogou… Mas sem esse sacríficio
talvez o CDC não estivesse agora a festejar o título.
Girão – Por razões pessoais e profissionais só pôde dar o
seu contributo à equipa na parte final do campeonato. A sua inscrição na parte
final da época foi uma sábia decisão do treinador e da direcção. Sem pré época,
vindo de uma operação e a entrar a meio – ainda por cima com o azar de se ter
lesionado – não teve vida fácil. Destacou-se pela capacidade de sacríficio e
pelo seu killer instinct – marcou dois golos decisivos num dos jogos chave do
título (a vitória por 4-1 na pampilhosa) e fez o 2-1 na Vinha. Conseguiu
resolver o problema que estava em aberto na frente com a lesão do Rafael Duarte
e deixa a sua marca neste título. Podia ter sido usado mais vezes como médio,
uma vez que é essa a sua posição de raiz.
Jé – na parte final foi mais uma solução para as alas no
ataque mas também fez, várias vezes, lateral direito. É uma das referências da
equipa, um dos jogadores mais antigos que conseguiu sacudir a equipa nalguns
jogos, principalmente a entrar pela direita.
Tibério – é um dos jogadores preferidos dos adeptos. Um
extremo que ainda mantém a sua velocidade e consegue desequilibrar no um para
um. Foi a solução de emergência para o lado esquerdo do ataque. Decisivo num
dos jogos do título, contra o ançã.
Pardal- é uma das esperanças do plantel. A transição de júnior
para sénior é sempre difícil e está a fazer o seu percurso. Tem potencial
técnico e físico para aparecer na próxima época.
Em suma, o onze do
CDC foi uma verdadeira equipa com os três sectores a complementarem-se muito
bem: uma defesa dura, muito difícil de bater, um meio campo muito técnico que
assegurou geralmente a posse de bola para a equipa e uma linha avançada rápida
e letal que precisou de poucas oportunidades para marcar. Lances de bola parada
muito bem trabalhados, capacidade de penetração nas alas, principalmente na
direita, contra ataque rápido. Resultado: um número de golos recorde, o melhor
ataque da prova com mais 2222 golos que o segundo ataque, o ançã.
Finalmente a
equipa técnica: assina o maior feito da história do CDC, uma proeza que, como
já disse, é muito maior do que possa parecer à primeira vista, uma vez
que o clube não dispunha do orçamento dos habituais campeões. É notável ter
mantido a qualidade com um plantel relativamente curto. Um bom onze só não
chega para enfrentar plantéis mais apetrechados, mas sendo certo que tinha
alguns dos melhores jogadores, também é verdade que não tinha a quantidade de outros.
Teve, pois, todo o mérito. Esteve muito bem nalgumas adaptações e nas
aquisições cirúrugicas que foi fazendo na parte final do campeonato em
colaboração com a direcção. Soube escalar em geral os melhores onzes para cada
jogo e teve, geralmente, boas leituras de jogo (a excepção foi o jogo com a AAC
dos 4-4…). Outro dos seus méritos foi o de saber renovar o plantel que herdou –
metade do plantel já vinha da equipa técnica anterior. C. não fez nenhuma
revolução, conservou o que achou melhor e complementou-o com boas aquisições.
Resultou em cheio. No onze que defrontou o febres metade da equipa vinha dos
plantéis de anos anteriores a esta equipa técnica (luís santos, canoso, seidy,
ivo e girão) e a outra metade é da nova vaga (ricardo, chipi, vicente, alex e
faria + o guarda redes mica). Conseguir este equilíbrio foi a chave do sucesso
– manter o que está bem e acrescentar algo de novo.
Uma palavra final
para a anterior equipa técnica – se considerarmos este título o epílogo de um
trabalho de 9/10 anos, então é justo atribuirmos algum mérito também à equipa
técnica anterior que começou a desenvolver este trabalho. Claro que os méritos
são para quem os consegue e foi esta e não outra equipa técnica a conseguir o
título – mas é justo, ainda assim, reconhecer o bom trabalho e a transição
pacífica da anterior para esta equipa técnica. Também nisto os directores
estiveram á altura – em 9 anos, apenas dois treinadores e um plantel coeso
reforçado ano a ano cirurgicamente com poucas mas boas aquisições. Parabéns a todos.
Pode ser que o salto para o ano seja demasiado grande. È mais que provável. Mas
é sempre uma oportunidade de aprendizagem e é assim que deve ser vista. Este
título já ninguém o tira ao CDC!