A criança
é feita de cem
A criança tem
cem linguagens
cem mãos
cem pensamentos
cem maneiras de pensar
de brincar e de falar.
Cem, sempre cem
maneiras de ouvir
de se maravilhar
de amar
cem alegrias
para cantar e perceber
cem mundos
para descobrir
cem mundos
para inventar
cem mundos
para sonhar.
A criança tem
cem linguagens
(e centenas mais)
mas roubam-lhe noventa e nove.
A escola e a cultura
separam-lhe a cabeça do corpo.
Dizem-lhe:
que pense sem mãos
que trabalhe sem cabeça
que ouça e não fale
que compreenda sem alegria
que ame e se admire
apenas na Páscoa e no Natal.
Dizem-lhe:
que descubra um mundo que já existe.
e de cem
roubam-lhe noventa e nove.
Dizem-lhe:
que o jogo e o trabalho
a realidade e a fantasia
a ciência e a imaginação
o céu e a terra
a razão e o sonho
são coisas que não estão unidas.
Ou seja, dizem-lhe
que os cem não existem.
Mas a criança exclama:
Nem pensar. Os cem existem!
Loris Malaguzzi
Não sei ao certo o que faz com que as coisas se passem assim. O que sei é que ontem vivi uma experiência que, apesar de tão simples, me ajudou a acreditar que é possível mudar o mundo. Constatar que há mais gente como eu, que há mais casas tão perto de casa, foi algo de extraordinário.
E ler hoje a página 230 d'O Elemento de Sir Ken Robinson e descobrir este poema hoje de manhã só vem fazer com que tudo isto se complete de forma ainda mais perfeita. Sim, os cem existem. E se a nós nos roubaram noventa e nove, porque não tratamos de os recuperar enquanto podemos?
Por mim, serei criança mais uns anos. Porque, sim, o "jogo e o trabalho, a realidade e a fantasia, o céu e a terra, a razão e o sonho" estão unidos, porque continuo com "cem mundos para inventar, cem mundos para sonhar"...