A primeira pessoa que vou apresentar é o Salvador. Salvador é o nome fictício. Ele anda por aí a comentar e, se assim quiser, identificar-se-á. Contudo, qualquer que seja o nome que tenha, para mim, nesta rubrica, é o Salvador.
Para os que não me conhecem pode ser uma surpresa, mas quem me conhece sabe que acabo sempre por passar grande parte da época no departamento médico do clube. E, para não variar, por esta altura estava lesionado. Dores nos joelhos. Já me acompanhavam há um ano e aquilo era tudo menos agradável. Chegou a um momento em que tive de parar de jogar. Pelo meio meteram-se as férias de Verão e começou uma nova época.
É então que me aparece um artolas dum enfermeiro a sugerir que eu fosse para os treinos sempre uma hora mais cedo para, imagine-se, alongar!
"Este gajo é doido! Deve pensar que eu não faço nada da vida..." - pensei para mim mesmo.
É engraçado como as pessoas que acabam por me marcar de uma maneira especial teimam em suscitar-me uma primeira impressão bastante estranha... mas igualmente engraçado é o facto de que, muitas vezes, os que depois se vêm a revelar assustadores acabam por passar uma primeira impressão bem mais "normal".
Acho que o problema reside nessa normalidade que, apercebi-me com o tempo, acaba por ser um mau prenúncio. E a outra pessoa, aquela mais normal, mais distante, mas que não tinha ideias de me tirar uma hora de tempo livre todos os dias era aquela a que vou, carinhosamente, chamar de Carniceiro.
O Carniceiro era outro enfermeiro. Simpático! Tinha muito boa impressão dele. Nem queria pôr-me a fazer alongamentos todos os dias antes dos treinos nem nada! "Gajo porreiro, este!"
Acontece que, um dia, os meus bem-amados joelhos voltaram a fraquejar. Não era nada de especial. Problemas de crescimento, segundo me explicavam. Conseguia andar perfeitamente, mas a jogar limitava-me bastante. Entretanto, nessa altura, o Salvador tinha ido de férias. Estava cá o meu bom Carniceiro, pronto a curar-me!
Olhou para os meus joelhos, franziu o sobrolho e ditou a sentença:
- Mau-r-à-dona, tu acabaste a época.
- Está a falar a sério? Mas a época ainda nem começou!
- Pois. Mas tu vais ter de meter gesso. Nos dois joelhos!
"Doidos! Estes gajos são doidos varridos!". Chegou mesmo a vir o treinador, o Dad-gar, com um ar bem fúnebre dar-me o seu apoio!
- Mau, se o Carniceiro acha que é o melhor... a tua saúde está em primeiro lugar!
- Mas qual saúde?! Mas você acha que eu vou andar com gesso nos dois joelhos?!?!
Acabou o treino. Tinha 14 anos na altura. No balneário não consegui evitar as lágrimas. Toda a equipa veio ter comigo, mas eu nem queria saber. A minha vida desmoronava-se. O futebol era a minha paixão, aqueles eram OS meus amigos. Não podia acabar assim.
À noite, em casa, liguei ao louco do Salvador. Não tinha a mínima confiança com ele. Expliquei-lhe o que se passava e ele disse que falávamos quando ele voltasse de férias. Voltou depressa. Durante um ano passei uma hora a mais por dia que (quase) todos os meus colegas naquele campo. A alongar. O Salvador estudou a doença que eu tinha, preparou exercícios, aconselhou-me a jogar com adesivo agarrado aos joelhos, o que veio a revelar-se um tormento, porque um gajo com 14 anos já tem pelos nas pernas e aquilo de arrancar o adesivo todos os dias era bastante incomodativo. A solução foi comprar umas tiras para os joelhos que me davam um ar de verdadeiro chulo da bola.
Tornou-se no primeiro verdadeiro amigo que tinha com uma idade bastante superior à minha. Tinha 8 anos a mais, mais coisa menos coisa. Lembro-me que dizia que era da idade do Luisão [penso não estar enganado no jogador]. Mas a minha primeira impressão do Salvador estava longe de estar errada.
Aquele gajo era, de facto, louco. Um verdadeiro maníaco! Ele não só conseguiu que um aleijado como eu jogasse os jogos todos [menos um] como fez muito, mas muito mais. Era ele que tratava da minha preparação física. Geria os esforços em conjunto com o treinador para que eu não me ressentisse. Chegou a dar-nos treinos antes do próprio treino a mim, ao JB e ao Terry para nos ensinar a saltar e a correr com técnica. Ainda hoje quando salto me lembro do conselho do enfermeiro que era muito, mas MUITO mais do que isso naquela equipa.
Acima de tudo, tornou-se um amigo e um elemento essencial no ano fantástico que tivemos. Os nossos caminhos separaram-se, mas o contacto permaneceu. Muitas, mas muitas histórias se poderiam contar. Uma delas será referida no post que aqui fizer sobre o Lesionadodependente, meu eterno companheiro de enfermaria.
Quando me lembrei desta rubrica decidi, logo à partida, que o primeiro post seria para ti, Salvador. Os outros vão ser feitos com uma ordem completamente aleatória. Mas este teria de ser para ti. Porque ao entrares nesta nova fase da tua vida merecias que te dedicasse algo do género. Tudo o que aqui escrevi será sempre pouco para agradecer tudo o que fizeste por mim. E dá-me um enorme prazer pensar que o meu futuro sobrinho (deixa-me tratá-lo assim) um dia mais tarde lerá este texto e ficará cheio de orgulho do Pai que tem.
E para ti, miúdo, que o lês, deixa-me dizer-te: todo o orgulho que sentes é pouco. Porque o que o teu Pai fez, faz, foi, é e continuará a ser e a fazer, nunca poderá ser explicado apenas através de um texto. Mas certamente que tu saberás isso melhor que ninguém...
Um muitíssimo obrigado e um enorme abraço,
Para os que não me conhecem pode ser uma surpresa, mas quem me conhece sabe que acabo sempre por passar grande parte da época no departamento médico do clube. E, para não variar, por esta altura estava lesionado. Dores nos joelhos. Já me acompanhavam há um ano e aquilo era tudo menos agradável. Chegou a um momento em que tive de parar de jogar. Pelo meio meteram-se as férias de Verão e começou uma nova época.
É então que me aparece um artolas dum enfermeiro a sugerir que eu fosse para os treinos sempre uma hora mais cedo para, imagine-se, alongar!
"Este gajo é doido! Deve pensar que eu não faço nada da vida..." - pensei para mim mesmo.
É engraçado como as pessoas que acabam por me marcar de uma maneira especial teimam em suscitar-me uma primeira impressão bastante estranha... mas igualmente engraçado é o facto de que, muitas vezes, os que depois se vêm a revelar assustadores acabam por passar uma primeira impressão bem mais "normal".
Acho que o problema reside nessa normalidade que, apercebi-me com o tempo, acaba por ser um mau prenúncio. E a outra pessoa, aquela mais normal, mais distante, mas que não tinha ideias de me tirar uma hora de tempo livre todos os dias era aquela a que vou, carinhosamente, chamar de Carniceiro.
O Carniceiro era outro enfermeiro. Simpático! Tinha muito boa impressão dele. Nem queria pôr-me a fazer alongamentos todos os dias antes dos treinos nem nada! "Gajo porreiro, este!"
Acontece que, um dia, os meus bem-amados joelhos voltaram a fraquejar. Não era nada de especial. Problemas de crescimento, segundo me explicavam. Conseguia andar perfeitamente, mas a jogar limitava-me bastante. Entretanto, nessa altura, o Salvador tinha ido de férias. Estava cá o meu bom Carniceiro, pronto a curar-me!
Olhou para os meus joelhos, franziu o sobrolho e ditou a sentença:
- Mau-r-à-dona, tu acabaste a época.
- Está a falar a sério? Mas a época ainda nem começou!
- Pois. Mas tu vais ter de meter gesso. Nos dois joelhos!
"Doidos! Estes gajos são doidos varridos!". Chegou mesmo a vir o treinador, o Dad-gar, com um ar bem fúnebre dar-me o seu apoio!
- Mau, se o Carniceiro acha que é o melhor... a tua saúde está em primeiro lugar!
- Mas qual saúde?! Mas você acha que eu vou andar com gesso nos dois joelhos?!?!
Acabou o treino. Tinha 14 anos na altura. No balneário não consegui evitar as lágrimas. Toda a equipa veio ter comigo, mas eu nem queria saber. A minha vida desmoronava-se. O futebol era a minha paixão, aqueles eram OS meus amigos. Não podia acabar assim.
À noite, em casa, liguei ao louco do Salvador. Não tinha a mínima confiança com ele. Expliquei-lhe o que se passava e ele disse que falávamos quando ele voltasse de férias. Voltou depressa. Durante um ano passei uma hora a mais por dia que (quase) todos os meus colegas naquele campo. A alongar. O Salvador estudou a doença que eu tinha, preparou exercícios, aconselhou-me a jogar com adesivo agarrado aos joelhos, o que veio a revelar-se um tormento, porque um gajo com 14 anos já tem pelos nas pernas e aquilo de arrancar o adesivo todos os dias era bastante incomodativo. A solução foi comprar umas tiras para os joelhos que me davam um ar de verdadeiro chulo da bola.
Tornou-se no primeiro verdadeiro amigo que tinha com uma idade bastante superior à minha. Tinha 8 anos a mais, mais coisa menos coisa. Lembro-me que dizia que era da idade do Luisão [penso não estar enganado no jogador]. Mas a minha primeira impressão do Salvador estava longe de estar errada.
Aquele gajo era, de facto, louco. Um verdadeiro maníaco! Ele não só conseguiu que um aleijado como eu jogasse os jogos todos [menos um] como fez muito, mas muito mais. Era ele que tratava da minha preparação física. Geria os esforços em conjunto com o treinador para que eu não me ressentisse. Chegou a dar-nos treinos antes do próprio treino a mim, ao JB e ao Terry para nos ensinar a saltar e a correr com técnica. Ainda hoje quando salto me lembro do conselho do enfermeiro que era muito, mas MUITO mais do que isso naquela equipa.
Acima de tudo, tornou-se um amigo e um elemento essencial no ano fantástico que tivemos. Os nossos caminhos separaram-se, mas o contacto permaneceu. Muitas, mas muitas histórias se poderiam contar. Uma delas será referida no post que aqui fizer sobre o Lesionadodependente, meu eterno companheiro de enfermaria.
Quando me lembrei desta rubrica decidi, logo à partida, que o primeiro post seria para ti, Salvador. Os outros vão ser feitos com uma ordem completamente aleatória. Mas este teria de ser para ti. Porque ao entrares nesta nova fase da tua vida merecias que te dedicasse algo do género. Tudo o que aqui escrevi será sempre pouco para agradecer tudo o que fizeste por mim. E dá-me um enorme prazer pensar que o meu futuro sobrinho (deixa-me tratá-lo assim) um dia mais tarde lerá este texto e ficará cheio de orgulho do Pai que tem.
E para ti, miúdo, que o lês, deixa-me dizer-te: todo o orgulho que sentes é pouco. Porque o que o teu Pai fez, faz, foi, é e continuará a ser e a fazer, nunca poderá ser explicado apenas através de um texto. Mas certamente que tu saberás isso melhor que ninguém...
Um muitíssimo obrigado e um enorme abraço,
r-à-dona, Mau-
5 comentários:
(standing)
clap clap clap
Grande post ... ;)
Um abraço ao Salvador
Que mania de escreveres posts que me põem de lágrima no olho! Para quem valoriza muito mais um texto do que uma outra qualquer prenda material, acho que é um grande texto, uma grande e bonita homenagem:)
Oh Mau, tu és mesmo mau...
Isto porque tens um gostinho especial em colocar as emoções das pessoas em frangalhos, com a tua capacidade de fintar e driblar, ao jeito dos grandes predestinados, utilizando a palavra em vez da bola.
Esse Salvador era realmente maníaco. Alguém que com 22 anos abdica de quase tudo a nível pessoal para abraçar um projecto com as lacunas e déficites que aquele clube tinha a todos os níveis, só pode ser mesmo louco e maníaco.
Mas a esse respeito, eu perguntei-lhe se ele se arrependia de alguma coisa. Sabem o que ele me disse??
- "Arrependo! Arrependo de não ter dado um murro na mesa antes, para provar a todos que a minha visão é que estava correcta. Arrependo de não ter passado por cima de outras pessoas para seguir com aquele grupo. E arrependo-me de não ter sido mais exigente nos exercicios com o Mau... eheheh"
Ah, já agora, o Salvador pediu-me para enviar um grande abraço a todos daquele grupo, em especial ao Mau, e dizer que raros são os dias em que não pensa em ti e nesses tempos com bastante saudade...
Apoiado Maldini:
(Standing)
CLAP CLAP CLAP CLAP
Lindo Mau, grande texto... E grande Salvador !
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